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Um agarrado ao cavalo faz a enésima desintoxicação. Regressa a casa dos pais, apesar da quarentona idade. Os progenitores desconfiam. Já por três vezes o drogado levara pratas, ouro, atoalhados rendados, aparelhagem de alta fidelidade, uns cachimbos de colecção herdados do avó quando a família ainda tinha pergaminhos aristocráticos. Até o canídeo que era de raça da moda foi despachado por tuta e meia. O vício exigia. Depois da enésima desintoxicação, o agarrado retorna à casa familiar. Faz beicinho, joga com a fragilidade psicológica dos alquebrados progenitores. Ou lhe abrem a porta de casa, ou vai dormir ao relento. Às duas por três, está outra vez agarrado ao cavalo. Quer os pais lhe abram a porta, quer vá dormir debaixo da ponte. A diferença é que no primeiro caso agarra-se à metadona.
O doente sai do hospital mergulhado numa angústia torturante. O médico diagnosticara doença que pode ser terminal. Só o não será se o doente aceitar cirurgia arriscada. A única maneira de resgatar esperança. O tumor tem que ser erradicado. Ou a doença vai cavalgar a um trote imparável. Em estado de negação, o doente teima que tem saúde para vender. Vive numa esquizofrenia que mete comiseração. Atira-se furiosamente aos médicos (enganados no diagnóstico), à ciência (por estas alturas já devia estar mais avançada) e à consorte (por um acaso do misticismo, a culpada de todos os seus infortúnios).
Um primeiro-ministro (aparentemente) loquaz. Ele os sequazes vitimam-se pela degradação a que nos trouxeram pelas suas ineptas mãos. Os de lá de fora, que ainda aceitam emprestar soldos para manter a viciosa máquina no seu estertor, esboçam desconfiança. Só aceitam emprestar se pagarmos mais caro pelas contrapartidas. Alguns, em plena desorientação, erguem o dedo contra a agiotagem dos que ajudaram a adiar o óbito. E agora que o timoneiro, na enésima exibição de desonestidade intelectual (et, pour cause, património genético da política), se põe no papel de vítima quando o seu é o de algoz, mandou os capatazes agitarem a bandeira da conspiração.
Os habituais sacerdotes da concórdia convocaram as ideias feitas para a insubstituível união nacional. É tempo – argumentam com a gravidade das suas vozes – de todos se porem de acordo para evitar males maiores. A austeridade cozinhada à socapa devia merecer o ámen de todos (ou, pelo menos, dos que têm credenciais democráticas). O cenário é dantesco: ou a aprovação destas medidas, ou o caos. Ou este primeiro-ministro ou o deserto. Como se não houvesse alternativa. E ainda que se desconfie do que aí vem, fica esta petição de princípio para a posteridade: pior do que há não pode ser possível. Sobra a sensação de que alguns estão atarefados na salvação de uma carreira política. De uma nefelibata carreira política que fez todas estas malfeitorias.
A mim, talvez por ser néscio, incomoda-me que os verdugos medrem as lamúrias como se fossem imunes às responsabilidades do estado comatoso. Atirarem as responsabilidades para ombros alheios é uma náusea. Quando o mal está isolado deve ser erradicado. Seja o filho que é um viciado incorrigível, o tumor maligno, ou um primeiro-ministro e um governo que são o problema inteiro. Tenho cá a impressão que os credores, assim que souberem que estes incapazes largaram o poder, vão aliviar a corda que nos aperta a carótida quase ao ponto de asfixia.
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