9.3.11

Só palavras simples


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Despretensiosas, sem erudição, só palavras simples. Podia gastar as que não toleram a simplicidade. Podia dizer que em todas as agonias há um recanto onde se encontra, domada, a brandura dos instintos. Onde arrefecem as mordomias da ira entre o gelo que cresceu com a apatia. Mas hoje apetecem-me as palavras embebidas na sua simplicidade. É árdua a tarefa da simplicidade. Ela tropeça na mais elevada complexidade.
Os olhos são um santuário com as pestanas viradas para o norte. Decantam as imprecisões apreciadas pelos instintos indomáveis. Às vezes, os olhos atraiçoam-se pelas aparências. Pelas sobras das palavras que cavalgam em equívocos, mais o sangue fervente que não escolhe a parcimónia como método. Os olhos cansados tacteiam o mapa dos sentimentos e erram sem saber. Tarde, despertam para um reino sem súbditos nem suseranos, um reino opaco e feito de matéria inerte.
As palavras simples, as palavras prometidas e simples, talvez tardem. Por, talvez, serem senão uma impossibilidade, um lugarejo recôndito onde é difícil aportar por míngua de caminhos praticáveis. Ainda espero pelas palavras simples ditas com um sentimento a assomar à boca. Aquelas que, na sua simplicidade, purificam a indulgência. Não queria reincidir ancorado às lâminas afiadas. Seriam precisos centos de sacerdotes com o arnês da paciência para embaciar as dores que incendeiam as veias. À falta de melhor – ou porque não havia como arregimentar tantos curas – sobra a proficiência das forças interiores arrancadas contra o ímpeto dos sobressaltos.
Continuam ausentes, as palavras simples. Ao invés, sobressai uma linguagem cifrada. Um labirinto da hermenêutica, um novelo infindável de possibilidades para o significado das palavras dissipadas. E são eternas, estas palavras que não se gastam quando se extinguem no silêncio que se põe quando deixam de ecoar. Perenes, porque esvoaçam na memória como se todos os dias vingasse a sensação de que tinham sido vespertinas. Ambíguas, as palavras que sucumbem à complexidade emergem na sua letargia: esquizofrénicas, depõem-se na multiplicidade de sentidos. São a exaltação da subjectividade.
Se as palavras fossem todas simples, se elas entronizassem a simplicidade dos pensamentos que desatam a tão complexa existência, seríamos frugais nas dissidências. As palavras simples seriam as únicas com serventia. E as preces, todas afinadas para a harmonia. Mas os olhos nem sempre depuram as argilosas arestas que neles esbarram, marejando-os de dor. Os olhos, por vezes, estão tomados pela lava ardente que sobe à superfície desde as iradas entranhas do vulcão em efervescência. E o corpo cai em falso num turbilhão que não parece ter fim. Os olhos só têm o tempo de se encerrar enquanto o corpo desce na escuridão do abismo. Pelo caminho, aqueles breves segundos sofrem uma metamorfose, parecem horas sem fim. Um filme inteiro passa diante dos olhos dobrados sobre si, o filme da própria existência. Dir-se-ia ser um pesadelo em brevidade, que o impacto final estaria próximo. E, afinal, o enredo todo feito de palavras eruditas, pretensiosas, de uma complexidade singular.
E as palavras simples, no fim de contas, uma vaga promessa em estado de adiamento.

3 comentários:

Anónimo disse...

Palavras rebuscadas, vícios de outros tempos em terras de abundância.
Sem dúvida, quando tudo o mais faltar, insurgir-se-ão as palavras simples, espelhadas também nos instintos.
Talvez se consiga treinar a simplicidade, da mesma forma com que se domam os pensamentos. Regressar à essência, varrer o pó dos outros; procurar uma palavra apenas, que se solte no exalar de um súplica

PVM disse...

Nunca houve terras de abundância. Nem conhecimento travado com a súplica.

Anónimo disse...

O horizonte não te deixa ver