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O nó anavalhado hauria o ar pela jugular. O nó de uma gravata apertado ao ponto de todas as veias ficarem à mostra, num enrubescimento aflitivo. O nó que traz a transpiração de volta, até nos dias apoderados pelo vento glacial. O nó górdio, a intumescência dos dias vindouros.
As unhas esgravatam o chão molhado. As unhas encardidas revolvem os seixos que se desentranham ainda com o musgo aderido. Começa a chover. Primeiro, uma chuva fina, dispersa, quase não empresta o aguado ao chão e às árvores. As mãos enlameadas esbarram num corpo sólido, inamovível de tão pesado. Puxou a lanterna e espreitou na cova. Uma caixa de madeira, os poros apodrecidos quebrando com a pressão dos dedos. Afastou os destroços do baú. Dentro estavam seis garrafas de vinho, o vidro escurecido deixando perceber que alojaram vinho tinto. Nos rótulos meio perecidos lia-se “vinho do Porto”. As garrafas pareciam vazias. A tímida centelha aspergida pela lanterna apontava para uns papiros metidos dentro das garrafas. Não era ao que ia. Devolveu a terra encharcada aos despojos. Queria lá saber o que rezavam aquelas cartas que um marinheiro desenganado enterrara. Se eram segredos, segredos ficassem.
O apertado nó dissolvia o entendimento. As pernas enfraquecidas cambaleavam como se pertencessem a um pândego embriagado depois de noitada na presença das bacantes. O seu segredo estaria nas imediações do parque. Mas o parque era tão grande. Como podia palmilhar cada centímetro quadrado em demanda de um vestígio que deixasse ao acaso a revelação do segredo? As noites demoradas eram viajadas nesta busca. Na companhia de uma lanterna e de um cão vadio, o mesmo cão que sabia que o podia encontrar àquelas horas.
O cão olhava-o com um ar afectuoso. Aquela proximidade perturbava-o: se nem sequer dera de comer ao cão, não podiam os entendidos justificar o reflexo pavloviano. À quarta noite, o cão condoeu-se com o desespero do homem. Seguiu-o na senda das escavações. Um mendigo abrigado do frio fitou-os, atónito. Ajuizou maior tempero ao cão.
Quando a alvorada despontava, o homem recolhia a casa. As mãos imundas e o mesmo nó górdio um milímetro mais apertado. Enquanto não encontrasse nas profundezas de um campo desabrigado o segredo que o oráculo mandar procurar, o nó ia seccionando a jugular. O ar ia ficando rarefeito como se fosse um ensandecido alpinista a trepar às alturas nepalesas sem máscara de oxigénio. Já não dormia há cinco noite seguidas. Quando a primeira luz clara destronava a noite medonha, já só tinha tempo de se lavar abreviadamente antes da confusão matinal dos que se apressam na lufa-lufa rotineira.
Uma noite, o cão começou a latir. Primeiro, a medo. Perante a indiferença do homem, o cão dobrou os latidos, agora mais sonoros, irritantes até. Ele mantinha a indiferença. O cão desprendeu-se de medos e chegou, pela primeira vez, aos seus braços. Mordiscou as mangas do casaco, sem agressividade. Queria empurrá-lo numa certa direcção. O homem não resistiu. Meteu os pés num caminho acidentado, cheio de silvas que precisava de calcar para avançar atrás do cão. Contrariado, mas ao mesmo tempo obedecendo ao instinto que o levou a ir pela mão do cão, chegou a um largo com um sobreiro imponente. Uma menina quase nua, tiritando de frio, escondia-se atrás da árvore.
Nesse momento, a jugular teve a sua alforria. Como se um súbito espasmo muscular tivesse feito explodir o nó. Que já não era górdio.
1 comentário:
Eu nem li!
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