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Ah, as moças donairosas que dançam ao som das cantorias populares. Estalam os dedinhos que encimam os braços alçados enquanto os saiotes esbranquiçados se pressentem na folia contagiante das pernas vigorosas.
Há alguns varões, ainda sóbrios, que se juntam à folgança. Outros, já a sobriedade foi um adeus, tropeçam nos passos falsos que o álcool consente. Não capitulam – nem assim. É no terreiro que estão as moçoilas que irradiam cio. Dir-se-ia que o folclore as dispõe. Os mais pândegos, derrotados pela embriaguez, encostam-se onde calha – no balcão da roullote-bar, enfiando mais uns copos de três de um gole só; prostrados no chão enlameado (que nem da lama dão conta); amparados por um sobreiro, julgando que amparam a provecta árvore; dois ou três, do lado oposto do terreiro, extasiam-se com a fragrância que a pocilga envia para as redondezas. Todos com um copo na mão, sempre mais cheio do que vazio, que vazio copo é moleza que não adestra a marialva condição.
As moçoilas, umas acabadas de sair da juventude, outras trintonas cheias de rasgo desatado pelos acordes da cançoneta folclórica, parecem enamoradas da dança que as empertiga. Sorriem com abundância. Umas com as outras. Ensaiam coreografias novas, os braços direitos emparelhando-se uns nos outros. Quando um rapaz mais atrevido se acerca, emudecem os sorrisos. Os elementos masculinos, anticorpos naquela dança. E mesmo as moças casadoiras, as que sonham todas as noites com a arribação de um príncipe maravilhoso, esquecem as fantasias que ocupam tanta cabeça. Só têm ouvidos para a música e olhos para a dança que a espontaneidade trauteia.
Nisto, um audaz mariola subtraído ao balcão da roullote-bar entra na roda para testar a aceitação das fêmeas. Esboça uns passos cambaleantes sem nunca largar o copo onde baloiça, mais para fora do que para dentro, o néctar vínico. Acasala o braço direito com uma conviva que lhe calhou em sorte, ali no local onde se ensarilhou na roda dançarina. Era o elemento destoante. As outras todas em sintonia, as pernas saltarinhando com o vigor não à mão de semear de qualquer varão em variável estado ébrio.
O audaz mariola, apesar da vista ofuscada pelos já nem sabia quantos copos-de-três embarcados pela goela, estava fascinado com os avantajados seios da parceira à sua esquerda. Ela estava mesmo a pedi-las: os pulos combinavam-se com uma camisa desabotoada até à embocadura onde os seios se insinuavam. Interrompeu a sua parte da coreografia. Num gesto insolente, pousou as duas mãos nos seios da afogueada rapariga. Era tanta a abundância que as mãos inteiras não chegavam para acomodar os seios. Foram uns breves segundos de apatia. A rapariga puxou a mão farta atrás e disparou bofetada audível no insolente rapazola. Caiu quadrado no chão.
A festa estava arruinada. Não se confirmaram as premonições. Tinha havido apenas vinho, e muito, e folclore (algum). A ousadia do rapaz – ou, dir-se-ia, o atrevimento que falou através do vinho bebido sem conta – deslaçou uma chinfrineira insuportável. As moças a gritarem bem alto a sua indignação. Os marialvas a protestarem contra a (na sua maneira de ver) inexplicável indignação fêmea. Tinha havido apenas vinho, e muito. E folclore (algum).
2 comentários:
Já o estou a ouvir em defesa: "Não foi por mal!"
Pois não. Foi por querer.
Gestos "desformatados" pelo vinho sobre um corpo sóbrio, ainda que enrubescido, serão sempre recebidos em cru... o ultraje de um simples instinto sedento porque aliciado.
Não fosse o frou-frou de moçoilas roliças...
PS- Afinal consegue encontrar encantos no folclore! (risos) Pequenos prazeres onde menos se espera.
Há que perdoar o audaz. No fundo, o vinho desatou os instintos. Quanto ao folclore: foi para emprestar um ambiente...folclórico.
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