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Ou por a poeira se deitar nas sombras da memória. Ou porque as sombras, em forma de cortinas de espelhos, se encenam como apagadores das lembranças. Às más lembranças encarrega-se a espessura do tempo de as remeter aos esquecimentos. Tudo voltava a ser composto a partir de uma folha em branco. Era como se tudo voltasse a renascer. Os lugares, todos novos. As pessoas, nem uma conhecida – ou os conhecimentos em arquitectura neófita.
As vertigens que teimam em calcinar as veias, as vertigens que amordaçam as lembranças incómodas, perdem voracidade. Foram uma chama intensa pelo tempo fora, forçando à abdicação da lucidez. Dias e dias com os olhos marejados pelos sobressaltos que descompunham os ritmos saudáveis. As cortinas de espelhos adejavam por toda a parte, a cima e em baixo, na agressão contínua de que os olhos não conseguiam escapar. Havia uma agenda desoladora, dias afivelados pelas tonalidades acinzentadas que semeavam a melancolia.
A virtude do tempo que se sedimenta em sucessivas camadas é fermento dos esquecimentos. Cicatriza os sobressaltos. O esquecimento é a pastagem adocicada que retoma os sabores que dão sentido. Podia dizer-se que as feridas já não abertas, cerzidas pelas cicatrizes que se compuseram, estiolaram com a densidade do tempo que adelgaçou as lembranças. Assim que as memórias se afunilaram no vórtice dos anos a fio, extinguiu-se o sal que se depunha nas feridas em carne viva. Lá atrás ficavam as dores incandescentes da carne viva tisnada pelas centelhas que se escapavam da fogueira que teimava em adornar o sono.
Um certo dia, a alvorada aventou a possibilidade de um dia soalheiro. Era como se os intermináveis dias tristonhos de tão chuvosos, os dias que pavoneavam a irritante melancolia, houvessem sido derrotados pelo seu contrário. De um momento para o outro, tudo na sua diferença. Por dentro, as veias corroídas já deixavam escorrer o sangue – o sangue que parecia renovado por uma demorada transfusão, o sangue já não viscoso e apodrecido a fluir célere pelas veias todas. As forças da natureza puseram-se de acordo numa sintonia maravilhosa. Lá atrás, nem os nevoeiros que embaciavam os olhos, os nevoeiros que emprestavam todas as dúvidas (nunca resolvidas), persistiam na sua tumultuosa ocultação.
Os esquecimentos ensinam que a melancolia é um insultuoso desgaste do tempo. Enquanto os esquecimentos não aterrarem, depondo as poeiras tóxicas que esvoaçam numa aleatória coreografia, o tempo presente está penhorado pelo velhaco que ensina os malabarismos inconsequentes dos tempos que já foram. Quanto tempo as perguntas todas eram formuladas com um necessário oxalá, como se todos os oxalás decantassem a mutilada confiança de que os esquecimentos consomem as memórias?
À custa das metódicas insistências, os tempos abraçaram-se na sua melodia encantadora. As lentes gastas que espiolhavam os tempos depostos despedaçaram-se numa fatal queda dos óculos que as envergavam. Do passado apenas sobravam os esquecimentos. Todos os oxalás tinham vingado. Os esquecimentos, esses, cosiam as pontas da irrelevância. Ora os perdões, ora o esquecimento em estado puro – como se houvesse mister de defumar a amnésia de tudo.
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