In http://cronicasolitario.blogs.sapo.pt/arquivo/pai%20natal%20caido.JPG
Montado
na irreverência, crescia-lhe um suplício indomável, consumido que estava pelo
azedume, quando se aproximava o natal. Naquele ano tomara uma resolução:
haveria de coalhar o natal a uns quantos. Criancinhas, de preferência.
O alvo
era o pai natal. Diziam-lhe que faz parte da fantasia. O imaginário infantil
embacia-se na penumbra dos desgostos se não vier atrelado a utopias. Nem que
sejam estéreis, como o são as utopias. Diziam-lhe: são precisas fantasias que
convoquem a imaginação das crianças, que desatem a excitação que as traz em saudável
desassossego na contagem dos dias que faltam para a visita do anafado barbudo
em ridículo traje vermelho. Não dizem os poetas que um pedaço de fantasia salga
a existência com uns dedos de gourmet?
Irreverente,
mais naquele ano do que outrora, não se convencia com a bondade das
explicações. Montou um plano com requintes de terrorista. De mão dada com um
amigo tão iracundo quanto ele e especialista em ser intruso nos computadores
dos outros. A pesquisa levou noites a fio, com uma montanha de algoritmos e uma
parafernália de equipamento para decifrar códigos-fonte e palavras-chave. No
último dia da escola, quando as criancinhas ligaram computadores, um anúncio
sonoro e com cores garridas apresentava um pai natal. As crianças arregalaram
os olhos e os professores ficaram atónitos (até o som que saía dos altifalantes
dos computadores era propositadamente estridente). Em trinta segundos, o pai
natal despiu a fatiota e tornou-se num esqueleto que se desfez em cinzas. As
cinzas tomaram conta do ecrã inteiro. Em pano de fundo, uma letras em amarelo
fluorescente advertiam: “o pai natal”
(assim, em minúsculas) “não existe!”
No
final da quadra, estava orgulhoso da proeza. Varrer patranhas do imaginário é
um contributo para o avanço da espécie (ou da sociedade que é o espelho
temporário da espécie). O pior estava para vir. Com o fim do ano a rasgar a
derradeira folha do calendário, as autoridades policiais fizeram busca domiciliária.
Passou o fim do ano nos calabouços. Nem assim se arrependeu, ele que tinha a
queda para os heroísmos fátuos.
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