23.12.11

Desmancha-prazeres do natal (conto da época)


In http://cronicasolitario.blogs.sapo.pt/arquivo/pai%20natal%20caido.JPG
Montado na irreverência, crescia-lhe um suplício indomável, consumido que estava pelo azedume, quando se aproximava o natal. Naquele ano tomara uma resolução: haveria de coalhar o natal a uns quantos. Criancinhas, de preferência.
O alvo era o pai natal. Diziam-lhe que faz parte da fantasia. O imaginário infantil embacia-se na penumbra dos desgostos se não vier atrelado a utopias. Nem que sejam estéreis, como o são as utopias. Diziam-lhe: são precisas fantasias que convoquem a imaginação das crianças, que desatem a excitação que as traz em saudável desassossego na contagem dos dias que faltam para a visita do anafado barbudo em ridículo traje vermelho. Não dizem os poetas que um pedaço de fantasia salga a existência com uns dedos de gourmet?
Irreverente, mais naquele ano do que outrora, não se convencia com a bondade das explicações. Montou um plano com requintes de terrorista. De mão dada com um amigo tão iracundo quanto ele e especialista em ser intruso nos computadores dos outros. A pesquisa levou noites a fio, com uma montanha de algoritmos e uma parafernália de equipamento para decifrar códigos-fonte e palavras-chave. No último dia da escola, quando as criancinhas ligaram computadores, um anúncio sonoro e com cores garridas apresentava um pai natal. As crianças arregalaram os olhos e os professores ficaram atónitos (até o som que saía dos altifalantes dos computadores era propositadamente estridente). Em trinta segundos, o pai natal despiu a fatiota e tornou-se num esqueleto que se desfez em cinzas. As cinzas tomaram conta do ecrã inteiro. Em pano de fundo, uma letras em amarelo fluorescente advertiam: “o pai natal” (assim, em minúsculas) “não existe!
No final da quadra, estava orgulhoso da proeza. Varrer patranhas do imaginário é um contributo para o avanço da espécie (ou da sociedade que é o espelho temporário da espécie). O pior estava para vir. Com o fim do ano a rasgar a derradeira folha do calendário, as autoridades policiais fizeram busca domiciliária. Passou o fim do ano nos calabouços. Nem assim se arrependeu, ele que tinha a queda para os heroísmos fátuos.

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