In http://www.dn.pt/storage/DN/2011/big/ng1518185.JPG?type=big&pos=0
“É preciso
dar maior prioridade à pessoa, uma ordem económica
que acentue o bem comum, vença os individualismos, as desigualdades chocantes,
todas as formas de materialismo; [e] que aprenda a dar prioridade aos valores
do espírito e não apenas ao dinheiro.” Cardeal-patriarca de Lisboa,
mensagem de natal
Estava ocupado com as grafadas no fiel amigo
sabiamente demolhado após a cuidada cura de água fervente na companhia dos
tubérculos, das cenouras, das couves e dos grelos (se de nada me esqueço). Pelo
canto do olho notei que o cardeal-patriarca doutrinava na televisão. A
amesendação obliterara o som. Parecia um filme à moda antiga, dos mudos. Só
faltavam as legendas entremeando a prédica do cardeal. As legendas vieram no
jornal de ontem.
É enternecedor o cuidado com a pessoa, o mesmo com que
a igreja católica andou séculos a eito a ostracizar os crentes, a educar na
humilhação, no hábito da resignação, na asfixia do livre arbítrio. É comovente
a proclamação de uma “ordem económica que
acentue o bem comum” – pois não é a igreja que organiza peditórios para
templos sumptuosos nem que isso determine menos pão e menos roupa nas casas das
tementes famílias que pagam o dízimo? São “chocantes”
as “desigualdades”. Também o são
quando a igreja apregoa castidade material e depois se banha numa abastança que
mete dó. Mas faz sentido que o embaixador do Vaticano convoque os “valores do espírito” em sobreposição ao
vil metal. Já não bastava Gaspar (o ministro) rapar o fundo do tacho às
empobrecidas gentes, em cima do ministro vem a hierarquia eclesiástica dar para
o peditório do empobrecimento. Sobram os “valores
do espírito”, que esses não têm preço que os pague. Deve ser o truque para
a salvação da humanidade (e da gente lusitana em particular): desprendamo-nos
de todos os bens materiais. Quando estivermos nuzinhos, daremos valor ao
inestimável capital espiritual que hiberna em nós.
A novidade do costumeiro catecismo natalício televisivo
é que não há novidade alguma. Aquilo que o cardeal-patriarca pediu na mensagem
aos crentes (e aos incréus, para não haver discriminação) é um programa de
intenções iliberal: comando, regras apertadas, liberdades atropeladas, valores
objetivos e, suponho, um punhado de gente sábia (com necessárias peias
católicas) a determinar tudo isto.
O fiel amigo estava opíparo. Mas as sobremesas
passaram-lhe a perna. E a ceia do cardeal, terá sido frugal como mandam os
pregões da bíblia?
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