In http://ipt.olhares.com/data/big/311/3114882.jpg
O sangue nas pedras era parte das lágrimas
derramadas. Custara tempo. Custara as ilusões. Oxalá os sonhos não tivessem
cedido o passo à chuva que fustigava o corpo.
Puseram-se em fervura as palavras que fermentavam o
encantamento. Era como se fossem entoadas pela voz de tenores, um suave sibilar
de rouxinol que entrava pelos ouvidos e ia direto ao canto do cérebro que aloja
a fábrica das emoções. Os tecidos nervosos convocavam os arrepiares todos. Os
olhos marejavam-se com as palavras que ajuramentavam a perfeição. A, todavia,
impossível perfeição – e sabiam-na, impossível. Tanta perfeição, tanto
encantamento embolsado nas algibeiras onde se depunha o ouro, era para desconfiar.
Não há tanta harmonia. Ou de tanto se apinhar harmonia, de tanto se ajuramentar
a perfeição, não deram conta que a obra escondia as suas fendas. A doçura começara
a coalhar.
Um dia, a alvorada cobriu-se de cores baças. As
ideias acotovelavam-se num alçapão recôndito, como se todo o cérebro tivesse
escorregado para esse lugar inacessível. O ar parecia irrespirável e a chuva
que fustigava o corpo vinha turvada por um veneno qualquer. As mãos
apertavam-se e já só sobrava o gelo, como se as mãos fossem penedos imponentes
cobertos do gelo de um glaciar. As ruas deixaram de ser lugares conhecidos. Os
olhos, desconhecidos. A afoiteza de outrora dava lugar às impregnadas sensações
do nada. Interrogado o futuro, mandou dizer que o nada era a ausência esperada.
Às vezes, a bolsa da distância recupera o critério.
Um critério que dissolve outro que lhe fora antecessor. A bolsa da distância
desata os nós que uma propositada anestesia mantivera em forma de hibernação.
Não se renega o encantamento de outrora. Apenas se soergue o desassossego que é
encontrar em ruínas o que se julgara obra-prima.
Os números eram ímpares, mas só então deram conta. A
tempo.
Sem comentários:
Enviar um comentário