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Foliões sem o baraço dos limites. Quando eram dias
desses, espalhavam um vendaval. Tudo ficava em alvoroço. Eram os cães das
moradias de luxo que desatavam a ladrar furiosamente com a latoada ruidosa. As
campainhas dos condomínios reservados eram teclado para sinfonias rebeldes interpretadas
pelos dedos suados. Os bancos do jardim regados com a urina em tardia
destilação do álcool que já era de mais. Do álcool que talvez ainda fosse de
menos, que noutro bar aviavam uma e mais outra bebida em proveito da arritmia
dos sentidos.
E o que era o razoável? Serem os doutores e
engenheiros e arquitetos apessoados nas suas fatiotas diurnas, a pose
estruturalmente britânica? As consortes já tratadas com indiferença, no
arrazoado da rotina que não sabiam se era cansaço, se era acomodação? Um deles
lembrou-se de um filme italiano da década de oitenta. E de como os compinchas
de meia-idade, todos bem postos na respeitabilidade das altas sinecuras que
eram suas, blasfemavam da rotina tirânica e corriam à estação de comboios só
para esbofetear os passageiros que espreitavam à janela na despedida das
pessoas queridas que os acompanharam à gare. Tentaram a imitação da proeza. A
hora tardia desenganou-os: não havia ninguém na estação.
As pernas cansadas não derrotavam a alucinação.
Teriam bebido um elixir da juventude? Fieis às tradições da geração, recusavam
drogas que prolongassem a algazarra. Tinham medo que a algazarra fosse artificial.
E tinham medo, apenas. Empunhavam à lapela um dístico que o estroina com mais
jeito para as artes visuais tinha desenhado. O deus Baco em contraluz, esmagado
contra o papel com lápis de carvão. De cada copo que bebiam de um trago levavam
os lábios de encontro ao dístico que sagravam com um empenhado beijo. E
abraçavam-se enquanto cambaleavam sem ostentação, jurando a perenidade da
confraria.
Ao menos enquanto eram bacantes desapareciam as
agonias que cercavam cada um deles. Na noite demorada, que terminava quando o
amanhecer depunha a noite possuída pela tibieza, julgavam-se imortais. Era uma
imortalidade efémera. A manhã, com a luz clara a insinuar-se nas pálpebras tão
sensíveis, predizia o esgotamento. Desfaziam-se as ilusões. Ao acordar, o relógio
já pressentia a hora do almoço. Entre a cabeça que pesava e a língua de trapos
da consorte que chamava para o repasto, sobrava a doce ilusão de terem sido
bacantes por um punhado de horas.
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