6.12.11

De caixão à cova


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Era como se os interstícios do cérebro fervilhassem, como se por ali explodissem rolhas de garrafas de champanhe de já não aguentarem tanta pressão do ar. As luzes pareciam um foguetório impaciente. Disparavam em todas as direções. Os rastos multicoloridos rabeavam na cauda das erupções de luz. Os copos tremiam com a agitação contagiada ao chão. Os olhos tinham uma vivacidade singular. Parecia desaguar (a vivacidade) em palavras sublimes, palavras que fluíam com uma nitidez desconhecida. As pernas aguentavam horas a fio sem se sentarem. Acompanhavam a música que ecoava – ora desconhecida, ora numa evocação da discografia pessoal. As pessoas entrecruzavam-se. As conhecidas e as desconhecidas. E até as desconhecidas pareciam refletir rostos vagamente conhecidos. Um aceno com a cabeça confirmava o não total desconhecimento. Um sorriso talvez comprometedor, talvez apenas simpático, enfatizava que alguns rostos não pertenciam ao desconhecimento.
E as horas que deslizavam pelo tapete sem contudo se insinuarem no corpo? Por causa do tempo que parecia levitar, iam em demanda de outros lugares. Uns atrás dos outros, ninhos sempre efémeros. E havia ainda tanto por visitar. Tanto por dizer e tantos desconhecidos rostos que entravam fundo nas alcáçovas da memória. As palavras não sucumbiam aos silêncios – os silêncios sempre breves, derrotados pela exuberância do que havia por contar. Os sentidos embotavam-se? Era ilusão. Podiam os vapores etílicos entortar o andamento, um passo aqui e outro ali tresmalhado. Podiam entaramelar a língua e uma palavra tropeçar no ensarilhado novelo, a palavra saindo indecifrável. Mas nada sequestrava a lucidez que tomara conta do horizonte. Pareciam heróis. Não queriam que aquele dia, que se fizera noite funda, tivesse um fim.
Queriam ser heróis. Nem que fossem privativos heróis. E enquanto aquele efémero se demorou numa vaga sensação de eternidade, as mãos exultavam com o turbilhão que irrompia de dentro. Uma força tremenda, uma inspiração singular. E foram heróis. Ao menos entre si, foram heróis.

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