In http://theresonly1alice.blogspot.com/2007_01_01_archive.html
Não fossem os códigos de conduta arejar o bastão da censura e as
terríveis dores de consciência nidificarem nas profundezas, onde elas mais
doem. Não fossem as palavras tementes cerzir o enquistamento, para depois ser
árvore deixada em quarentena. Por causa de tudo isto, sentia os seus instintos devolvidos
à repressão.
Agora apetecia tudo no seu contrário. Confidenciava-o aos mais chegados.
Alguns, em absoluta caução de uma moralidade residual, semeavam advertências no
caminho: “o que tencionas fazer não
quadra com a tua natureza. Esses instintos pertencem aos animais selvagens”.
Apetecera-lhe ser como os animais selvagens. Despir-se das peias da
racionalidade. Apenas seguir os instintos desembainhados das masmorras onde
quase apodreceram.
Era um processo demorado, este autoconvencimento de um eu diferente.
Estava nesta introspeção na companhia do sol tímido de um fim de tarde outonal
quando uma loura escultural aterrou na mesa da frente. Tiradas as medidas, trintona
avançada. A beijar os contrafortes da quarta década. Muito bem conservada.
Havia ginásio naqueles glúteos tão perfeitamente definidos. Os lábios moviam-se
com languidez. Pouco foi o tempo para os olhos entrarem em órbita recíproca. Em
cada gesto havia uma insinuação carnal. Quando pegou no copo alto e bebeu a
água das Pedras, deslizando dois dos dedos pela superfície humedecida do copo à
medida que o pousava. Na maneira vagarosa, convidativa, como trocava as pernas
cruzadas. Ou como se inclinava para a frente e os fundilhos das costas
mostravam a pele nua e um vestígio de lingerie,
logo disparando um olhar para confirmar que o gesto sedutor tinha sido seguido por
ele.
As suas cordas interiores, que sempre trataram de amputar os instintos, esboroavam-se.
O íman dos olhos estava, a cada intercâmbio de olhares, a ser mais demorado.
Insinuava-se a transgressão. Ela (a transgressão) amadurecia na correria
acelerada das veias, pulsando na sua fervura enquanto lhe anotava outro gesto tentador
(a língua, lascivamente, a saborear o lábio inferior).
A certa altura, ela veio perguntar por lume para um
cigarro que segurava entre os lábios carnudos. Ele protestou consigo em
palavras surdamente sussurradas: “maldito
sejas por não seres fumador...”
Mas aquilo era transgressão?
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