9.12.11

Da transgressão


In http://theresonly1alice.blogspot.com/2007_01_01_archive.html
Não fossem os códigos de conduta arejar o bastão da censura e as terríveis dores de consciência nidificarem nas profundezas, onde elas mais doem. Não fossem as palavras tementes cerzir o enquistamento, para depois ser árvore deixada em quarentena. Por causa de tudo isto, sentia os seus instintos devolvidos à repressão.
Agora apetecia tudo no seu contrário. Confidenciava-o aos mais chegados. Alguns, em absoluta caução de uma moralidade residual, semeavam advertências no caminho: “o que tencionas fazer não quadra com a tua natureza. Esses instintos pertencem aos animais selvagens”. Apetecera-lhe ser como os animais selvagens. Despir-se das peias da racionalidade. Apenas seguir os instintos desembainhados das masmorras onde quase apodreceram.
Era um processo demorado, este autoconvencimento de um eu diferente. Estava nesta introspeção na companhia do sol tímido de um fim de tarde outonal quando uma loura escultural aterrou na mesa da frente. Tiradas as medidas, trintona avançada. A beijar os contrafortes da quarta década. Muito bem conservada. Havia ginásio naqueles glúteos tão perfeitamente definidos. Os lábios moviam-se com languidez. Pouco foi o tempo para os olhos entrarem em órbita recíproca. Em cada gesto havia uma insinuação carnal. Quando pegou no copo alto e bebeu a água das Pedras, deslizando dois dos dedos pela superfície humedecida do copo à medida que o pousava. Na maneira vagarosa, convidativa, como trocava as pernas cruzadas. Ou como se inclinava para a frente e os fundilhos das costas mostravam a pele nua e um vestígio de lingerie, logo disparando um olhar para confirmar que o gesto sedutor tinha sido seguido por ele.
As suas cordas interiores, que sempre trataram de amputar os instintos, esboroavam-se. O íman dos olhos estava, a cada intercâmbio de olhares, a ser mais demorado. Insinuava-se a transgressão. Ela (a transgressão) amadurecia na correria acelerada das veias, pulsando na sua fervura enquanto lhe anotava outro gesto tentador (a língua, lascivamente, a saborear o lábio inferior).
A certa altura, ela veio perguntar por lume para um cigarro que segurava entre os lábios carnudos. Ele protestou consigo em palavras surdamente sussurradas: “maldito sejas por não seres fumador...
Mas aquilo era transgressão?

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