13.12.11

Aos meus amores


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Confesso um pudor: nunca escrevi sobre o amor. Saberei o que é o amor? Ou talvez a interrogação que importa seja outra: é o amor coisa com importância se andamos, neste desatino da modernidade, tão ensimesmados, embebidos num egoísmo que dizem ser atroz?
Todavia, os néscios e os líricos amam. E amaram. Enquanto andaram absorvidos pela irracionalidade do amor os seus pés pisaram o chão da felicidade. Os seus rostos irradiaram sorrisos espontâneos. As mãos tinham uma quentura irremediável mesmo em dias de glacial invernia. Era como se delas brotassem flores garridas, perfumadas. Os amantes ensinaram-se palavras inesquecíveis. Por dentro dessas palavras não havia nada mais, só os amantes em pose majestosa. E o seu desejo. Os olhos saciavam-se da outra existência.
Mas o amor é uma dependência. Psicológica. Dizem que é o altar da sublime liberdade. E se forem desenganados? Será um antro onde se alojam as dependências que ao início parecem dádivas mas encerram os malefícios do que é viciante. Retome-se a pena dos líricos e dos néscios: há uma dependência que irrompe entre as exceções. O despojamento em nome do amor beija o limiar da deificação. Amar, dizem, é próprio dos deuses. Uma humildade singular. A entrega descomprometida. Por ela não se desembaraçam as portas ao desassossego. A confiança liquida os vestígios do desassossego. É a paz interior em estado puro.
Mas um dia. Ele há sempre um dia que desmente o imorredoiro em que se pressente o amor. Uma tempestade descompõe a harmonia. Espíritos bondosos recompõem a ordem natural. Mas ela decai perante outra e mais outra tempestade, arruinando as fundas raízes. O vazio por dentro. E o que outrora fazia sentido embacia-se, não deixa ver a claridade. Os olhos erguem-se a um promontório e só conseguem ver as ruínas fumegantes.
Mas é inutilidade, o amor? O tempo emoldurado pela batuta adocicada do amor é indestrutível. Não que tenham serventia as recordações avivadas pelo tempo emoldurado. Regresso à interrogação que importa – se tem importância o amor. Tem. Por efémero que seja, pela torrente incandescente que invade as veias, a inspiração para as palavras embelezadas, os olhares que profetizam o encantamento, a insana lucidez da dependência. Fora dele, uma aridez cortante.
Aos meus amores: que me absolvam por não saber derrotar o efémero do amor.

4 comentários:

Ondas disse...

"O amor quer a posse, mas não sabe o que é a posse. Se eu não sou meu, como serei teu, ou tu minha? Se não possuo o meu próprio ser, como possuirei um ser alheio? Se sou já diferente daquele de quem sou idêntico, como serei idêntico daquele de quem sou diferente? O amor é um misticismo que quer praticar-se, uma impossibilidade que só é sonhada como devendo ser realizada."
in O Rio da Posse, Fernando Pessoa
Ainda assim, que seria de nós, pobres humanos sem esta "magia" que aquece o nosso coração?

PVM disse...

O mal é que por vezes é alquimia, outras é uma quimera.

Ondas disse...

O melhor é ter uma dose extra de alquimia para afastar a quimera :)

PVM disse...

Nem sempre o impossível consegue vingar...
(Ou de quando a quimera se sobrepõe à alquimia)