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Não
entendo. Os arrivistas ansiosos por um pedaço, nem que seja um curto pedaço, de
“reconhecimento público”. Fazem das tripas coração para serem um bocado figuras
públicas. Não lhes ocorre a fatura pesada: andarem na rua e notarem cem mil
olhares sobre si deitados, mentalmente declarando “olha fulano”, por vezes
interrompendo o passo para um certeiro autógrafo, outras vezes, talvez,
interpelados pela desagradável eloquência do insulto.
O anonimato
é mel para os ouvidos. Incomoda saber que os passos são vigiados por um
exército de passarinheiros com antenas afinadas e a cábula mental bem
exercitada para anotar quem viram, quando e onde e na companhia de quem. São os
agentes secretos de um novo fascismo social – aquele que reporta identidades em
lugares num tempo qualquer. Já sentira o bafo desagradável dos intrusos que
apontam olhares. Foi numa cidade provinciana, poiso temporário. Na
grande metrópole, onde se julga que não há o desassossego dos rostos que
insinuam a ausência de anonimato, estava a léguas de imaginar que anos a fio de
audiências numerosas seria o fermento para o anonimato desfeito em nada.
E o que
sobra para diante? Medir os passos todos, para ver se estão na bitola do milímetro
certo? Não vão os olhares intrusos eviscerar a privacidade para depois, ah
depois, lavrarem sentenças atulhadas de beata moralidade. Ou espreitar pelo
antebraço, ou pela sombra que se encavalita na nuca, para medir os olhares
intrusos que, de gola enfunada, sejam sombra na catalogação dos passos, dos
hábitos, dos lugares, das pessoas que contracenam? É quando mais apetece a
transgressão.
Mas há
uma tremenda fúria que se apodera. Se isto é assim com um zé-ninguém, suponho
os suplícios por que passam as muito mediáticas figuras públicas. Mas essas, ao
menos, alimentam o voyeurismo dos
outros sobre a sua intimidade. Oxalá uma divindade qualquer viesse aplacar a
fúria, ungindo o sossego que é passear pelas ruas de uma cidade onde os olhares
vindos de frente são todos olhares desconhecidos. Tão anónimos como o meu
anonimato.
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