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Parece que tenho pressa em passar pelo tempo. Ou que o tempo é uma pedra
madrasta, uma guilhotina que não cessa de mostrar a lâmina pendente. Tudo se apressa.
Tudo se congemina como se o tempo fosse um cenáculo voraz e os ponteiros dos relógios
desatassem numa correria enfurecida. Não sobram minutos.
Os dias que nascem dominados pelos afogueados pesares parecem ter o
ocaso colado à alvorada. Depois vem a impaciência. Sobeja uma lucidez
estilhaçada e os escombros dos pretéritos deixando um rasto ácido. A pressa de
dobrar o tempo faz dele um tiranete contumaz. As horas que são a batuta das insuportáveis
e, todavia, diárias rotinas, são o altar onde esvoaça a ave negra que anuncia o
tempo em seu estertor; tudo descompõe os olhos serenos que ficam tomados pelo
raiar carmim que neles põe o cansaço de tudo, o cansaço do nada.
Mas o tempo devia ser gingão. Os ponteiros das horas, uma coreografia
com interesse só para os estetas. O tempo apressado, em contrapartida,
defenestra de fora para dentro fantasmas que existem e fantasmas inventados a
preceito. As ruas vadias, as palavras adocicadas pela rebeldia, os gestos que
rimam com afetos, os pés que jamais capitulam em seu cansaço, os olhos que vibram
dentro da sua nitidez; haveriam de ser a caução para a demissão do tempo, do
tempo fautor dos contratempos, do tempo que se abraça a um rosto sombrio, o rosto
que adverte perenemente que o tempo é de uma macieza irremediável.
E o corpo metido neste remoinho. O corpo e o pensamento, absorvidos
pelas tenazes indomáveis da aflitiva percepção do tempo mortiço. Convenci-me
que o tempo espartano era a janela entreaberta para a sofreguidão da
existência. Houve muitas páginas que resguardam essa marca de água. E outras
tantas (ou outras mais) que são apenas papéis amarrotados que vegetam, sem serventia,
no lixo onde se acomodam os arrependimentos.
Hoje, tenho a vaga impressão que o tempo apressado é uma terrível cilada.
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