PJ Harvey, “Good Fortune”, in https://www.youtube.com/watch?v=gDBZZ3uvimE
O encarcerado, restringido ao exílio da alma, falava contra as paredes laceradas pela humidade. Não se arrepende de nada. Não se mortifica. A maldita educação, e a convivência com o que se convencionou cunhar “más companhias”, embeberam-no num orgulho irremediável. Não há dia que não diga, de viva voz (para surtir o efeito do não esquecimento), “antes quebrar do que torcer”. Sente uma voz a interrogá-lo; parece que a voz está escondida para além das grossas paredes que o encarceram: “se tivesses a oportunidade, repetias o crime que te condenou ao degredo neste presídio?” Não hesita; não cede à teórica tentação do arrependimento motivada por todos os contratempos tatuados a tinta-da-china na memória: “sim!”, em forte exclamação. Se fosse libertado agora, voltava a cometer um crime. Os mesmos, ou outro qualquer. É à custa da tendência para a reiteração, este demencial monólogo em que diz para si mesmo, até à exaustão, “idem, idem, idem, e idem, e mais idem”, que se lembra de ter sido diagnosticado como “sociopata incurável”. Volta à voz interlocutora, completando a resposta à interrogação: “um sociopata incurável não se arrepende do que já fez. Não reconhece o desvio de comportamento. Por isso, se insistires na pergunta, ó voz desconhecida, e em abono da minha impecável coluna vertebral, te direi sem rebuço: sim, voltava a fazer tudo outra vez. Igual ou diferente – mas seria sempre contra as normas, rompendo o estabelecido. Eu sou o homem que diz, até à exaustão, idem, idem, idem, e idem, e mais idem. Idem, as vezes que preciso for”. Dissipada a voz, sobrava o silêncio da sua respiração. Parecia ofegante. Alterado pela interpelação. Não quis admitir, que o maldito orgulho pesava mais, mas talvez fosse o caso de contrariar o diagnóstico e não fosse o sociopata que repetia, com a crueza das mãos que roubaram vezes sem conta e que assassinaram um par de vezes, “idem”.