Patrick Watson, “Luscious Life”, in https://www.youtube.com/watch?v=uc6xbXpMrLU
Não sei das datas esquecidas na intempérie da memória. Os penhores assim credenciados perdem a garantia, esvaziam-se na maciez das mãos que não querem ser promitentes. Elas preferem ser agitadoras, atuar como se fossem um abalo sísmico, despentear a serenidade que se conjuga com a geografia estabelecida. Desmentindo oráculos.
Dou por mim na frágil condição dos vacilantes, desfazendo frases feitas com pontos de interrogação. Podia-se adivinhar a inveja dos que estão cercados de certezas e são capazes de matar por elas. (Faltaria saber se também estão na disposição de serem mortos por elas.) Não é ciúme o que corre nas veias: é comiseração; um profundo apetite de cevar a medula com conhecimento, emprestar todos os pedaços da geografia que for possível.
Por dentro do mapa da vontade, terçam-se os lídimos versos que são capazes de uma catarse. Às vezes, é preciso uma catarse. Mesmo quando não é preciso: a indulgência disfarça-se na planura onde os corpos tomam lugar, mas esse estado de tranquilidade é paradoxalmente algoz. Deposita à ordem um gordo cheque endossado pela inércia – e nada se confunde pior com a inércia do que a sede de nada fazer por convencimento de que as forças interiores estão exauridas, à mercê dos imperativos laborais.
Não sei das datas esquecidas na intempérie da memória. Por mais que interrogue a memória, à procura das frases que seriam o perfume salvífico do horizonte. Tenho a impressão que devia procurar outra tenência. Não deixo que os logros disfarçados de apetites atraiçoem a vontade. A vontade precisa de um mapa. Com a perícia dos melhores cartógrafos. Eu dou as coordenadas. Empresto as luzes de que o mapa da vontade está à espera. Na embocadura da fala, terei de atirar as palavras gordas para sublinhar a visibilidade do mapa. Quero que o mapa diga que nada se sobrepõe à vontade. E que a vontade não obedece a regras desenhadas num qualquer estirador. A vontade não se mutila. Só se cala perante o clamor da vontade que a comanda. Como se houvesse um princípio geral da vontade de onde dimanam as vontades parcelares que se jogam quando um determinado equinócio marca lugar.
Não cuido das demandas exigentes. Não arremato os predicados do porvir em formulários bacteriologicamente puros: não cuido de saber os alinhavos de um tempo desmultiplicado em múltiplas dimensões, nem sopeso a importância cabalística do devir. Prefiro a lógica intemporal que se baliza na vontade instantânea. Se há coisa que já devíamos ter aprendido, é que a exaustão da vida não tolera adiamentos ou os majestosos ornamentos que se encomendam a um tempo ausente.
O mapa da vontade não sabe dessa página. E essa é a língua forte que ele domina.