Andavam à procura de apeadeiro para a nave espacial. Antes que ficasse sem combustível e se despenhasse no céu púrpura em que se consumiam os medos das pessoas. É preciso reconhecer que os ventos não estavam de feição. E as letras miudinhas estavam fora do alcance, só embalsamadas pelos irredutíveis arquivistas do reino.
Não desistiam da função. Ninguém lhes tinha encomendado a empreitada. Mesmo assim, juraram à medula não capitular antes que a nave espacial estivesse em mãos seguras num apeadeiro razoável. Às vezes, as missões imponderáveis assaltam a lucidez e há pouco que se possa fazer para combater a anestesia que se enquista. Diz-se, a este propósito, que os empenhados na missão inesperada são vítimas da vontade sem inventário. Da vontade que não reconhecem como sua. Mas esses eram meandros que não importavam se não aos eruditos que têm a especulação como preço de vida.
Não se sabia de onde viera a nave espacial. Nos tempos da guerra fria, o desvio de rota podia conter segundas intenções. Agora que a época glacial deixou de adjetivar a guerra, e que um simulacro de paz se abateu sobre as costuras do mundo, ninguém sabia o que levara a nave espacial a este esconderijo: assim como assim, a paisagem vista da estratosfera deve ser mais bucólica do que qualquer canto arrancado a esta terra imersa no tempo parado (por mais que exaltados cultores da idiossincrasia pátria jurem a pés juntos que não há lugar com paisagens mais belas).
Não se sabia se os astronautas estavam vivos. A nave adejava vagarosamente sobre o céu da cidade, como se estivesse num estertor, ou à procura de lugar seguro para aterrar. As pessoas, atentas à diligência, só não sabiam se era o piloto automático ou os astronautas que se debatiam na deferência aos cidadãos. Como havia urgência no desenredar do assunto, um grupo de peritos em coisas cósmicas teve a iniciativa de criar um gabinete de crise, sem o beneplácito do governo (este entretido nos arrufos e sinuosidades da paroquial política e entretido com a diplomacia bufa). Eram uns cientistas da melhor cepa, ajuramentados no cânone do rigor, que queriam arranjar apeadeiro seguro para a nave espacial e salvá-la da catástrofe. O dono do engenho (ainda por determinar) haveria de agradecer o empenho dos ilustres cientistas e a nação ficaria muito bem na fotografia exposta ao mundo inteiro – coisa que não é de somenos importância, que os súbditos aceitam que o elogio internacional se sobreponha às vergonhas caseiras.
Estava difícil entrar nos circuitos internos da nave espacial. Valeram uns peritos em pirataria de computadores (por razões de proteção de dados pessoais, obviamente não identificados) que alcançaram o desiderato depois de bens alimentados. No dia fulcral, a nave fez-se em segurança ao apeadeiro. A imagem que vem à memória, depois de um buraco negro no tempo (que não fornece respostas às muitas perguntas que se poderiam disputar), é a condecoração dos heroicos cientistas no lugar emblemático da democracia do país que tutelava a nave espacial.
Obviamente, os piratas informáticos receberam a comenda por interposta pessoa.