18.6.24

Frutos silvestres

Lars Bartkuhn, “Masai”, in https://www.youtube.com/watch?v=28_1sq_rKI4

Damos às bocas o sumo almiscarado, os frutos acabados de colher, um lampejo de futuro no estuário da alma. Das bocas que tutelam a fala sortílega, enquanto fugimos dos penhores alheios e prometemos o mecenato a nós mesmos. 

Os frutos maduros tingem o sangue com a doçura desembaraçada do remorso. Subimos ao miradouro e temos o mar inteiro nas mãos. E não apenas o mar visível, também o mar escondido na fronteira do horizonte. Ciciamos umas palavras forasteiras: queremos ser forasteiros a maior parte do tempo para aprendermos o que não pertence à babugem do conhecimento. Levamos a nossa melhor pele ao miradouro. E esperamos, em silêncio, que o vento estridente acalme. Esperamos que capitule ao nosso paciente charme.

Nas horas mortas, somos procuradores da vida. Como se trespassássemos os campos de frutos silvestres e deles trouxéssemos todo o mel que desfaz a indulgência da angústia. Avançamos pelas planícies contra o sol inquisidor. Antes do rio que divide as planícies, tornamo-nos curadores dos aromas dos frutos silvestres tatuados na pele. Não nos intimidámos com os espinhos dos arbustos que escondem os frutos. Sentimos a hibernação dos sentidos; os arranhões eram à prova de dor, ou eram os espinhos que traziam em si uma forma de anestesia que nos devolveu ao êxtase inaugural. 

Meses depois, parámos à beira da estrada para comprar frutos silvestres anunciados duzentos metros antes. Levámos uma amostra do aroma arrebatador e o carro dispensou aromatizadores estultos. Aquele aroma nunca mais deixou de estar embebido na ossatura do carro, na nossa própria ossatura. Tomámo-lo numa bandeira que atravessava os dias inteiros e não se escondia dos uivos noturnos dos vultos que não mostravam o rosto. Deixamos para amostra pretérita os sobressaltos que resgatavam o abismo da morada da falésia. 

Tornámo-nos triunfantes sem coroa para celebrar, carne com sede do mundo, patronos de um sangue sem fronteiras. Como se todos os idiomas navegassem no nosso sangue. Com a custódia dos frutos silvestres que estiveram vertidos no planisfério dos dias constantes. E os frutos, como corola a encimar as nossas almas audazes, como se precisássemos de ser imperadores de um couto qualquer. 

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