Spoon, “Inside Out”, in https://www.youtube.com/watch?v=IpT5SBg1Mmk
Os engenheiros do marketing descobriram um novo filão: prometem borlas, ou oferecem descontos especiais, se a seleção nacional tiver sucesso no campeonato europeu de futebol. Que tenha dado conta: uma operadora de telecomunicações promete devolver o preço pago por uma televisão em vales a gastar na sua loja se a equipa ganhar o campeonato; e uma empresa de combustíveis promete aumentar os descontos à medida que a equipa for ganhando jogos.
Na lógica comercial, a estratégia tem tudo para ganhar (com maior probabilidade do que os ganhos da equipa nacional...): o futebol move montanhas e, em época de certame em que os países competem uns com os outros qual guerra em formato moderno despojada de beligerância material, o arrebatamento pátrio rebenta as escalas. O marketing é sagaz por aproveitar a comoção coletiva, juntando vantagens para o consumidor que dependem das vitórias da equipa nacional. O consumidor é convidado a acreditar muito na equipa: ao depositar esta confiança, espera recolher juros na forma de vantagens comerciais. Talvez não seja a forma mais desinteressada de confiar na seleção nacional.
A estratégia de marketing externaliza a sua concretização para quem não trabalha na empresa. Encomendada aos bravos atletas que representam galhardamente a pátria, a incumbência inaugura um paradigma do marketing: a vantagem comercial que o consumidor pode obter depende de outros, não depende da vontade da empresa que a publicita. E depende de outros nos quais uma multidão (aparentemente) confia. Já os atletas deverão sentir uma pressão inominável. Se não saírem vitoriosos, há uma turba a querer acertar contas com eles, no fundo culpados por os consumidores não receberem os benefícios alardeados pela empresa.
Não é difícil adivinhar a retórica dos gurus do marketing: pelo contrário – dirão –, não se desloca a pressão para os jogadores da bola; o que está em causa é mostrar-lhes a tanta confiança que uma pátria (quase) inteira neles deposita. Se assim não fosse – dê o(a) leitor(a) continuidade à visão ingénua da montagem – as empresas não arriscavam fundamentar a sua generosidade nas proezas de uma equipa de futebol.
Este novo paradigma deixa, para memória futura, um apanhado de interrogações: os atletas vão aguentar a pressão, ou vão transformá-la em motivação para se superarem? As empresas que inventaram o marketing por procuração acreditam no sucesso da equipa nacional? As empresas contabilizaram os custos se o melhor cenário desportivo se materializar? E, se este for o caso, esse cenário coincide com o melhor cenário para a empresa?
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