The Sisterhood, “Colours”, in https://www.youtube.com/watch?v=od4dAbaAtKE
A respiração acaba, um dia. É quando se percebe que as coisas são intemporais enquanto permanecem agarradas a um fio de vida. Ao contrário da mitologia dominante, o espírito é finito.
As oportunidades rareiam. É o nosso entendimento frívolo, desligado da contingência das coisas, que sela os desperdícios banais que só depois cuidamos de endossar ao miradouro dos arrependimentos. Nessa altura, muitas vezes, tarde de mais. Ocasionalmente, sai a taluda da segunda oportunidade. É uma convenção: a oportunidade pode corresponder a uma terceira, quarta, quinta e assim sucessivamente oportunidade, mas enquistou-se no nome de segunda oportunidade. Quem não entender a generosidade entregue em mãos pode não se habilitar a uma segunda-segunda oportunidade. A segunda oportunidade insurge-se contra a anemia de quem não a agarra. Depois, os arrependimentos serão extemporâneos: a segunda oportunidade extinguiu-se por ser delapidada.
O direito à segunda oportunidade não é democrático. É aleatório – daí a taluda que condecora os que recebem o despacho sem aviso prévio. Os recetadores podem seguir a segunda oportunidade. Segundo a segunda oportunidade, ensaia-se o remediar de um equivoco pretérito. É como se houvesse excecionalmente a possibilidade de desfazer uma página virada, reescrevendo-a com a tutela da retificação dos erros. A segunda oportunidade secunda uma bondade desarmante. Compõe o insólito enxaguar do tempo passado, como se as mãos fossem autorizadas a remexer nos seus escombros e, com a indulgência de quem habilitou a segunda oportunidade, trouxessem esse passado para o presente em forma de edifício candidato a um prémio de arquitetura. Ou, mais modestamente, apenas um edificado erguido dos escombros entretanto prescritos.
Segundo a segunda oportunidade, somos desculpados pelo passado tumultuoso que transbordou angústia na pele contagiada. O tempo nem sempre é agiota. Em vez da ordem cósmica que congemina a tabela de marés, às vezes antecipa-se uma interrupção para refazer a cronologia intempestiva. A segunda oportunidade é um esbanjamento se aqueles a que se destina não entenderem que é uma segunda oportunidade. Por défice de entendimento, ou por fingimento. O que é pior, no caso do fingimento.
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