10.6.24

Suor, sem lágrimas (short stories #451)

The The, “Cognitive Dissident”, in https://www.youtube.com/watch?v=Gmwkzk2bPms

          Não tem de ser sacrifício permanente, uma costela arrancada à carne para se dar ao penhor como garantia. Não tem de ser um contínuo espinhoso, o sangue fervido na conjuntura tumultuosa. Pode haver suor mas não serem convocadas as lágrimas. A angústia não é arrematada para gáudio das almas sobressaltadas. Em dias sucessivos, a pele suada fala contra as conspirações ateadas por vultos que não cuidam da redenção. A memória é uma miragem: toma conta de um futuro tomado como passado e as estrofes desarrumadas não chegam para atraiçoar o medo rebelde. Se as lágrimas forem a concurso, não se antecipem ao seu próprio futuro. Delas é a sede de angústia que não tem sede certa. Acertam-se os fusos que rodam à volta de um circo ancestral feito de fúria e fingimento. Cada passo parece arrancado das raízes do chão. As palavras ditas são o mote para a dor. Corpos furtivos sobem à boca de cena na noite órfã e não ciciam por comiseração. É de uma luz que rompe em surdina, efémera mas dotada, o cabimento que se alista no proveito sem matéria, a carne crua à prova de cicatrizes. Sobra uma manhã deserta; sobram os dedos dormentes que aprovam o entorpecimento descuidado, imersos no suor que se antecipa às lágrimas retesadas. É nessa surdina que desfilam nomes avulsos lavados no mar que sonhou uma maré empolgante. O consentimento é uma partida sem sonho. Sentado numa sela puída, um coro de vozes desafinadas vai entoando as estrofes arrastadas de um poema sem autor. São arrancadas das bocas, as estrofes desalinhadas. Como se fosse preciso enxaguar o suor e o encargo fosse destinado a lágrimas sem paradeiro. Visíveis num pretérito habitado, mas sem resgate possível, alimentam o suor que não transige com o esquecimento das lágrimas. 

Sem comentários: