Kidd Funkadelic, “Maggot Brain” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=3aAzdHnYfuk
Penso rápido, que as cicatrizes não demoram e o vagar embota as palavras pendentes. Se não forem ditas, ficam sem testemunhas: ficam desertas. A aridez, por conta de quem as guardou por dentro e as deixou no friso do silêncio. Se forem vítimas dessa abstenção, nunca se saberá que curso levariam, que ondas de choque podiam causar se tivessem sido emancipadas dessa hibernação forçada. Penso rápido, enquanto verto uma casca de limão na água que repousa da fervura. Há pouco passei no mercado e as cenouras estavam perliquitetas, ungidas por uma cor avivada – houvesse conspiradores por perto e diriam tratar-se de uma propositada operação para dar lustro às apeácias. (Aposto que julgavam que a cenoura era um tubérculo.) Entre a multidão, uma mulher lia a bíblia perto de uma esquina movimentada. Tinha montado um púlpito devidamente ornamentado com os dizeres “ler a bíblia”. Ninguém parou para a ouvir. Nem com as promessas de paraíso se conseguem mercar almas para a coutada dos deuses. Parece que as pessoas acreditam mais na vida do que na morte. O paraíso e as juras de felicidade só ao alcance dos que chegarem ao céu é um logro: não há testemunhos válidos de que assim seja e, a crer nas escrituras, a vida terrena soa a castigo enquanto não se é encomendado ao exílio celestial. À falta de prova outra que não seja a crença nos dogmas (“a verdade”, insistia o padre na homilia aos desatentos), desautorizam-se os sentidos. Oxalá os desenganados não se atirassem de cabeça para charlatães que navegam na antítese dos curas de religiões variegadas. Deixem os vigilantes silenciosos em paz com a sua função. Não descuidamos os preparos metódicos, quase como se estivéssemos agrilhoados a uma superstição que ultrapassa as crenças pela esquerda. Depois, tudo se desmente (menos a superstição teimosamente não remissa). Parece que somos foragidos. E fugimos de nós mesmos.
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