Morrissey, “Everyday Is Like Sunday”, in https://www.youtube.com/watch?v=hv8dhQkmZEo
O epílogo do Verão é sempre um achado. Prometem-se os dias sem o sol agressor, sem o suor a pastorear o cansaço do corpo, a chuva idílica, as primeiras tempestades outonais que se abatem com o vento iracundo de sudeste.
As folhas das árvores começam a ficar caducas. Depois caem. Varrem o chão, entoadas pelo vento tempestuoso. Amontoam-se num descaro anárquico, colonizando passeios, jardins, sarjetas, os recantos mais escondidos, os vidros dos automóveis. Levantam-se numa coreografia avulsa quando o vento esbraceja, atirando-se ao acaso contra os rostos contrariados das pessoas que frequentam as ruas. O epílogo do Verão é a sua maior outorga. É preciso esperar pelos terminais dias de setembro para celebrar a maior proeza do Verão.
O bibliotecário das folhas outonais é tomado pela agitação, recolhendo amostras das folhas derruídas. Inventaria-as metodicamente, sempre que o Verão se liquefaz e o Outono ocupa o calendário na sua vez. É uma tarefa que muda todos os anos. Poder-se-ia pensar que não: a diversidade da flora é escassa, os compêndios ensinam que a folhagem de uma certa árvore obedece a um arquétipo. A quimera do Outono, que é todos os outonos perseguida pelo bibliotecário das folhas outonais, é registar as diferentes matizes das folhas caducas que num chão qualquer encontram sepultura. As folhas enrugam de maneira diferente, ganham cambiantes diferentes: os Outonos são como colheitas sempre diferentes. Deve haver explicação (científica) para a diversidade de amostras que o bibliotecário das folhas outonais recolhera estes anos cumpridos.
Com o seu critério metodicamente obedecido, regista as diferentes cores, as diferentes texturas, inventou uma escala para apurar o grau de senescência das folhas que se despenharam, deixando as árvores paradoxalmente despidas para aguentarem a estação mais severa. É uma empreitada solitária. Não tem correspondentes e não divulgou o seu labor. Não lhe importa saber se o seu espólio vai ser aproveitado depois de morrer. Inspirou-se na metáfora das folhas outonais: elas devolvem um esplendor inédito quando são acompanhadas pela decadência. Não se importam com o que sobra depois da sua extinção.
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