5.9.24

Duly noted (short stories #469)

Mdou Moctar, “Imouhar” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=R0hxuCf8z6k

Um olhar que mais parece um sublinhado, a grosso. Acompanhado de um silêncio invasivo; às vezes, até as palavras cheias de arestas, aquelas que vão doer no magma, provocam menos dano do que este silêncio somado ao olhar que trespassa de medo. É como se o olhar censório fosse um camartelo escondido que torpedeia os alicerces. Ao menos, pelo tempo que demorarem os efeitos telúricos do olhar camartelo, todos os demais contratempos entram em hibernação. De tão inquisitivo, por ser tão incisivo e descer ao mais profundo âmago, o olhar enfático dissolve as outras arrelias por algum tempo. Às vezes convém ser vítima desta censura transversal. Se a vítima do olhar camartelo cuidar da lucidez, ninguém se admire que tenha intencionalmente criado a oportunidade para ser fulminado pela voltagem emocional do olhar tão sublinhado de um silêncio que se substitui às palavras mais pungentes. A lucidez compara os custos e a oportunidade: se a devastação do olhar fulminante servir como agente dissolvente das outras arrelias, esta é uma rosa cheia de espinhos que as mãos não se importam de carregar. Por mais que elas sangrem, é um sangue-lágrimas que disfarça o demais, um corretivo à sucessão de pequenas arrelias que deixam de o ser. Às vezes, um sismo tonitruante compensa todas as pequenas feridas abertas e o rosário de cicatrizes embutidas na pele. Remexe nas fundações, anestesiando as feridas e as cicatrizes, que passam a ser meras tatuagens. Ao fundo do tempo, em vez de à angústia ser permitida caução, o olhar contundente traz um silêncio cheio de palavras pressentidas. Pode durar breves segundos, mas parece que se arrastou pelas semanas fora. As semanas em que o resto perde as rédeas do tempo. A grande contrariedade drena as pequenas, levando-as à extinção. Perante o olhar mortífero, a resposta tão interior como silenciosa: “duly noted”.

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