Patti Smith, “Smells Like Teen Spirit”, in https://www.youtube.com/watch?v=_ohayGCVWZY
Ia para a varanda, ainda a noite tutelava o céu. Pelo andar do relógio, era só um passo até à alvorada. A escuridão começava a capitular, levemente cerzida por um clarear que respirava a véspera do sol.
Até lá, o céu despojava-se vagarosamente da escuridão, tudo à volta se emancipava da noite e começava a ganhar formas nítidas. O próprio corpo emancipava-se do torpor herdado do sono, do sono talvez terminado a destempo. Era como se as veias se dilatassem para o sangue começar a aquecer. Para o dia o ser.
Não havia nuvens no céu. Não levaria muito tempo até se processar a alquimia da madrugada: o despontar dos primeiros raios de sol antes de o sol colonizar o horizonte e crescer no estuário do dia. Os únicos vestígios do sol eram as irradiações que coloriam o céu em tons alaranjados. Ajudavam à metamorfose do céu, que num curto intervalo de tempo haveria de passar da bruma da noite para a luz clara do céu alimentado pelo sol que sobe com o desvagar próprio dos dias que são sempre apressados.
Pelo meio, os feixes alaranjados que são o prefácio do sol: o céu fica num limbo, sem saber se se despede da noite terminal ou se endossa o cumprimento ao dia que se inaugura. Se o começo do dia for condecorado com um céu composto por finas nuvens, a tela ateia o êxtase: os lampejos de luz alaranjada irradiados por um sol ainda à distância embebem-se nas nuvens, que passam a ser novelos de algodão tingidos com diferentes cambiantes de cor de laranja. Até que, com o crescimento do dia, o sol se torne próximo e os raios projetados perdem a timidez. A tonalidade laranja perde a validade.
Na varanda, a contemplar a alquimia da madrugada, pergunta se o tempo de um dia devia ter uma contagem diferente: em vez de o dia começar formalmente à meia-noite, o minuto primeiro devia ser a hora e o minuto em que o sol se anunciasse no horizonte. Hoje seria às sete horas e cinquenta e cinco minutos. Amanhã seria às sete horas e cinquenta e seis minutos. Se o dia começa com o clarear, os relógios deviam estar acertados pelo ciclo de vida do dia e da noite. Até para se prestar homenagem à obra de arte que é a alvorada.
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