Nils Frahm, “Kaleidoscope”, in https://www.youtube.com/watch?v=6KCY1eRnzcM
Será a matéria furtiva a caução para a âncora que se lança na noite?
Os provérbios querem que haja povo a acreditar neles. Não são nada sem o povo, que é o seu fautor. O povo seria refém de uma orfandade se não tivesse bússola num compêndio de provérbios. Está por determinar o que seria do povo se um déspota malévolo (não os havendo benévolos, e essa é uma certeza categórica) determinasse a extinção dos adágios populares.
É como num cozinhado, os ingredientes não são por acaso e respondem à idiossincrasia de um povo. Pois foi o povo o soberano da construção da gastronomia: as pessoas têm de comer para se manterem, é preferível que o façam com proveito para o gosto. Mais tarde, uma casta de iluminados toma lugar na gastronomia e reinventa os modos. Reinterpreta o receituário. A parte substancial do povo não se diz destinatária da criatividade culinária. Estranham a combinação original de ingredientes, desconfiam, sobretudo, das doses homeopáticas em que são servidas as iguarias. O povo não nasceu para ser magro.
Para não serem acusadas de conservadorismo, as pessoas são desafiadas a estilhaçar as convenções que as amordaçam. Mas não dão conta da mordaça que restringe a sua vontade. Muitas continuam sitiadas nos lugares exíguos onde se sentem confortáveis. Os costumes por que se regem devolvem algum senso de pertença, não os entendem como limitações. Nos confins da autoproclamada intenção de conduzir as massas, os engenheiros sociais desconfiam da lucidez do povo. É compreensível: querem é um povo dependente do pensamento dos predestinados que pensam por eles; querem um povo obediente, que não ouse sair dos seus limites. Se forem nómadas no pensamento, aprendem a usufruir da autonomia, que torna os engenheiros sociais dispensáveis.
A matéria é subjetiva. Por mais que os rostos dos costumes sedentários argumentem em sentido contrário. Se não houvesse carris que enfeudam as pessoas, se todo o chão que pisam fosse puro baldio, não haveria dependências que ostracizam o pensamento. Não haveria quem, falsamente benévolo, orquestrasse uma castração sem ser notada, sob pretexto de poupar as massas ao incómodo do pensamento.
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