Rebekka Karijord, “Winter III. Glacier & the Moose”, in https://www.youtube.com/watch?v=LNv0qRRIEyI
Não sabiam medir o pesar das coisas. Às vezes, sentiam não passar de vultos, como se o sangue olhasse de fora para as veias e os dias começassem pelo entardecer. A vaidade de uns quantos era deduzida às fragilidades averbadas. Os espelhos contíguos, puídos pela ordem do tempo, juntavam-se aos estilhaços outonais. Não se dissesse às pessoas que estavam destinadas a ser fantasmas; essa era uma intenção indigente, o disparatado afocinhar numa farsa. E se a farsa estava a recrutar farsantes, era porque estava distraída. Todos os olhos por junto, adormecidos no miradouro estremunhado, contavam para a angariação dos modos subtis que faltavam para emprestar às vidas a singularidade errante. No lugar que se apossara do tempo, a dissemelhança era causa de exílio involuntário. Apedrejados os audazes, os demais continuavam indiferentes à anestesia que os colonizou. Evitava-se começar as frases por “não” com a mesma vontade que as pessoas eram aconselhadas a não fazerem perguntas. A profilaxia preventiva das interrogações, em plena renúncia da Filosofia, era a marca de água de uma civilização cada vez mais incivilizada. Não pedissem água pura a este exército empurrado para a indigência. De cada vez que passava um dia, aprendiam a ser o contraste das solenes proclamações que enfeitavam os manuais de comportamento. As pessoas, tão ciosas do seu nome, eram levadas a ser meros números, como se os seus rostos não contassem, como se fossem todos mera massa destinada à indiferença. Se soubessem articular oráculos, talvez fossem consumidas pelo medo; talvez deixassem de saber a gramática dos sonhos. Por isso evitavam olhar de frente para o tempo. Fingiam. Fingiam tanto que já não sabiam se apenas fingiam, ou se fingiam fingimentos. Eram peões num carnaval imorredoiro. E safavam-se: antes a câmara psicadélica onde tudo se fingia, do que a aterragem forçada no leito em que as coisas acudiam.
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