LCD Soundsystem, “Bela Lugosi’s Dead” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=Iix7JmtArJw
“(...) dizer coisas inúteis resume bem a atitude essencialmente moderna.”
Fernando Pessoa
(Em defesa da banalidade)
Quanto mais é a palavra escrita, a palavra dita, maior a probabilidade do que se diz emergir com a cola da irrelevância. Os autores desta sentença estão sentados num pedestal e, empossados de um juízo crítico acima da vulgaridade das massas, avaliam o que é útil e inútil. Tendo dotes especiais de sindicância (sobretudo quando a mesma se dirige aos outros; outro tanto não se diria se fizessem um autoexame), a exigência com que exercem o mandato leva-os a incluir no património da inutilidade parte substancial da cacofonia que integra a fala e a escrita.
Não será critério decisivo defender a convocatória da democracia, e a acessória garantia de igualdade, para recusar o solipsismo dos que, sentados no seu alto trono, condenam grande parte do que é dito e escrito a ser património da inutilidade. Às vezes, a acrimónia com que se desfaz um texto ou as palavras proferidas por alguém explica-se pelo antagonismo pessoal: é um método, e desleal, de atacar alguém pelo alguém que é e não pelo que o que acabou de dizer ou de escrever. A acrimónia é reveladora das motivações dos tais juízes das palavras alheias.
Outros são os casos que escapam ao diletantismo da acrimónia e selam a avaliação sistemática e eivada de rigor sobre-humano: os avaliadores são tão exigentes que sentenciam a desqualificação geral das palavras ditas ou escritas. Como se estivessem a condenar uma parte significativa da humanidade ao silêncio, talvez para ficarem eles, e um escol sob sua caução, a falar sozinhos.
Por menor que seja a qualidade das palavras ditas e escritas, incomodam mais os próceres que sentenciam a desqualificação da grande maioria. Esse princípio aristocrático, só justificável por um devaneio interior de quem ousa avaliar a qualidade dos outros, concorre para a morte da concorrência da palavra dita em público ou dada à estampa. É mais danosa a arrogância dos autoinvestidos aristocratas do que a pobre qualidade do muito que se diz e que se escreve. É mais lesiva a oligarquia da palavra que preconizam do que a palavra gongórica, irrelevante e, tantas vezes, refém de ardis gramaticais e sintáticos.
Porque, como advertiu Montaigne, “mesmo no mais alto trono do mundo estamos sempre sentados sobre o nosso rabo”.
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