14.11.11

Compêndio da luz clara


In http://literesinapoetica.blogspot.com/2008_04_01_archive.html
Pudessem os dias, muitos dias, entardecer embebidos nesta claridade. Até as tempestades medonhas, a noite deitando-se precocemente, não seriam regaço tristonho a coalhar a luz clara. Viessem as tempestades mais tremendas, o caos sentido na folhagem desprendida e nas ramagens arrancadas às raízes, pudessem todas as ondas descapitalizar o mar sereno de uns dias antes, as telhas esparsas em perigosas coreografias até se esboroarem no empedrado molhado; poderiam os elementos em sua fúria ser o sobressalto constante, mas a luz clara que se insinuava detrás da plúmbea, feroz cortina tudo amaciava.
Era como se pelas lentes propositadamente colocadas o olhar trespassasse as densas nuvens em sua agitação selvagem vindas do poente, de onde soprava o vento trazido pelo oceano em buliçosa faina. As lentes saltavam as ameias feitas de um pétreo aço – ou as fortificadas nuvens que ocultavam a luz clara, a luz deposta pelo sol em plena irradiação. O peito enchia-se de ar à medida que os olhos fechados aspiravam a maresia e rasgavam as cortinas que embaciavam a claridade. Os olhos em levitação empurravam a camada de nuvens, resistiam ao vórtice da tempestade. Enfim, sentiam atrás de si a turbulência em ocaso. E saciavam-se na luz clara que a demorada borrasca escondia.
No promontório, os olhos encantavam-se com a luz tão clara que, nem por fechados estarem, lhes devolvia uma cortina baça. Os dedos afagavam o rosto tão frio com as pétalas colhidas nos campos de flores à mão de semear. As pétalas, coloridas e perfumadas, vinham tingidas com o nutriente da luz clara. Nelas se depositava a grandiosidade da claridade imperatriz. Oxalá os dias todos, ou pelo menos muitos, amanhecessem com uma cama de pétalas a pressagiar a claridade expoente. Oxalá as forças interiores se congeminassem num ferro incandescente, as faúlhas cuspindo o abraseado imperativo de um devir sempre distinto, derrotando fantasmas mal sepultados.
Em todas as penumbras a obscuridade era vassala da luz clara, sua matriz.

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