In http://colunas.epoca.globo.com/sobalupadoeconomista/files/2010/02/greece.jpg
Estão
a ver aquela teoria que ensina que nos momentos críticos temos de ir às
profundezas, vasculhar no lodo com as mãos entregues à escuridão, sentir o nada
para dele fazer erguer um novo algo?
Este
é o retrato da crise europeia. Os gregos, que provocaram esta crise, atiraram
mais gasolina para a fogueira: o primeiro-ministro, num golpe de asa (ia escrever
“suicidário”; mas corrigi a tempo: “homicida”), quer convocar um referendo. Já
não é só sobre a austeridade reforçada ligada ao perdão de metade da dívida; é
sobre a continuação da Grécia no euro. Nem vale a pena elaborar sobre o embuste
que este referendo é. O que pode soar a devolução da decisão aos cidadãos (cenário
muito romântico – como se a democracia não fosse a tomada destas decisões por
quem é eleito) tem a impressão digital da desresponsabilização de quem conduziu
a Grécia a este estado calamitoso. Ou isso, ou uma manobra de ressuscitação do
primeiro-ministro – a chamada “baixa política”.
O
que mais me deixa aturdido é a ideia, subscrita à exaustão, de que ou o euro se
salva ou estamos na senda de uma nova guerra. Noto que os proponentes da ideia são
especialistas em corridas de obstáculos e saltam as barreiras todas de uma vez.
É que passam da causa (implosão do euro) para a consequência (guerra) como se
não houvesse tarefas pelo meio. Falta a lógica que liga a causa à consequência:
por que motivos iriam os países órfãos do euro alimentar uma guerra entre si? E
nem vale a pena hipotecar outra relação causal que assumem como inevitável: que
o “não” no referendo dita a implosão do euro. É tudo demasiado simplista.
Quero
acreditar que quem afinou este aterrador oráculo não é saudosista de guerras.
Quero acreditar que usam uma tática que consiste em esbracejar os piores
fantasmas só para amedrontar os espíritos mais esquecidos (aqueles que já se
esqueceram das duas guerras que devastaram a Europa na primeira metade do
século XX). Às vezes, para evitar um resultado indesejável devemos antecipá-lo
como provável. Só para assustar.
Se
o oráculo aterrador se confirmar, a europa já só merece aparecer cunhada em
letra minúscula. Porque é difícil acreditar que não aprendemos com os equívocos
da história. E isto também vale para os semeadores de catástrofes antecipadas.
6 comentários:
Ao teu post:
Partilho a tua preocupação (assim me parece) com um projecto europeu que tem na raiz um horizonte de Europa pacífica que também subscrevo. Concordo que não será (ainda) tempo de dobrar a finados – não há construções sem esforço e os nós górdios cortam-se... haja tempo e oportunidade. E a paciência e a vontade necessárias.
Mas: colhemos também o que se vem semeando – uma democracia representativa escassa e enviesada (concordarás eventualmente) que nunca foi devidamente convocada nem a compreender nem a sufragar a UE; políticos de pacotilha e de palhavã, que não parecem saber o que têm em mãos. É lícito pensar que o referendo de Papandreou é a capitulação perante um povo irado e eventualmente já o cheiro da pólvora – cenário surreal para uma Europa que gostava de se apresentar como luminária do Mundo, não vão muitos meses. E este é um risco real. A outra face da mesma moeda (que não é certamente o euro) anda estampada nos arroubos nacionalistas que vão pululando, nos Estados ‘ofendidos’ pela prosápia grega. Conclui-se: que a integração das soberanias não se sujeita ao argumento funcionalista; que os Estados nacionais estão ‘doentes’, na relação entre governantes e governados; e a UE, subsidiária também na legitimidade, assim doente está.
Quanto à questão funcional: a espuma das contas parece indicar que o euro poderá sobreviver à ruptura com os gregos (pese embora a má consciência da amputação que, a sê-lo, será inaugural na história da UE); mas poderá a UE sobreviver, como entidade política, aos mercados? É que, mesmo quando convergem, a ‘serem’ são entidades distintas, sujeitas a lógicas diferentes. Dos mercados vamos sabendo. E a UE: existe?
Parece que revisitamos a Idade Média, em que o desconhecido era a miragem de um cataclismo. Já assim foi com a perspectiva do apelo ao FMI.
Agora, na clivagem do euro, cai o céu sobre as nossas cabeças?
Talvez seja a visionária aplicação da dita "psicologia invertida".
"Keep calm and carry on!"
Toda a razão Paulo. O anunciado referendo é um tremendo embuste, uma farsa, uma tragicomédia (ou a supressão de um golpe de estado...). Se havia alguma coisa a perguntar aos Gregos teria sido antes da decisão do primeiro pacote, não agora.
Toda a razão, salvo numa coisa, a meu ver: a guerra depende do nacionalismo (político e económico) e o euro tem sustido esse nacionalismo. Retirado esse travão, temo o pior. Nos dois anos que antecederam a 2ª GG muitas vozes na europa diziam "guerra? outra vez? impossível, impossível, nós aprendemos com a 1ª e se os nossos políticos forem tão burros ou tão loucos que para aí nos queiram levar, resistiremos" etc. etc.. Foi o que se viu.
Mas: fenecerá, de facto, o euro às mãos da Grécia? parece ridículo! aparentemente não há sequer razão objectiva para tal; mas construções frágeis caem como dominós.
Por isso, mais que agourar, é preciso que os europeus tenham medo, muito medo, de nova guerra. Para a evitarem a todo o transe, sejam quais forem as perdas e as cedências que tal implique. Uma guerra, ainda que "convencional", numa Europa pejada de (velhas) centrais de energia atómica??? nem é bom pensar... Há que ter juízo. Ou medo. Neste caso, será muito bom (talvez o único) conselheiro.
Cláudia:
Convergimos em muito no que diz respeito ao projeto europeu. Talvez não tanto quando chega o momento de medir o pulso aos pergaminhos democráticos da UE. Não que isto seja entendido como uma válvula de escape à democracia, mas o contexto e o nível em que se situa a UE justifica que não se apliquem todos os preceitos da representação democrática a que estamos habituados nos países.
Dito isto, acho que nem vale a pena comentar as sinuosas táticas do PM grego. Valem o que valem - tanto como as sinuosas táticas do duo de lamentáveis líderes que a UE tem (Merkel e o acólito, o sr. Bruni): agendas domésticas e só agendas domésticas. Às vezes dou comigo a sonhar: oxalá Merkel e o Sr. Bruni estivessem, por sua vontade, no último mandato. Talvez então lhes chegasse aos neurónios um perfume europeísta.
Onde me situo numa escala menos pessimista é na relação entre a UE e os mercados. Se os mercados são assim tão doentios, eu diria que eles são suicidários. Especulemos: se a UE não resistir aos mercados, o que sobra para eles atacarem que nem abutres? Os EUA e a China?
V:
Não poderias sintetizar em tão poucas palavras a sensatez que devia prevalecer nestes momentos.
Sérgio:
Percebo a tua cautela - se me permites - pedagógica. Uma pedagogia que se filia na experiência da história não é inconsequente. Há, todavia, uma diferença importante em relação ao passado: justamente o euro, que nos cimenta num destino comum. Os assomos de nacionalismo a que assistimos são de um nacionalismo pacóvio, mesquinho - quantas vezes fundado em preconceitos estéreis (para aqui chamados tanto os preconceitos que nos catalogam como preguiçosos, como o preconceito - era inevitável trazê-lo à colação, o inevitável Prof. Boaventura, o meu particular herói - que, com um mau gosto atroz, lembra que foram os alemães a provocar as duas guerras da primeira metade do século XX).
Se me perguntas o que espero diante da turbulência semeada pelo Papandreou, digo-te que estou dividido entre dois cenários. Ou o euro entra em colapso com a saída da Grécia (o que não é tão seguro como tantos adeptos da catástrofe querem alimentar); ou a saída da Grécia é como a ablação de um tumor que permite a sobrevivência do corpo até então doente. Estou mesmo na dúvida entre os dois cenários...
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