25.11.11

Do tempo sem emenda


In http://thumbs.dreamstime.com/thumblarge_552/1288637073dsp6XQ.jpg
Podes andar à volta com as cores, virar as palavras do avesso, abrir e fechar as costuras das cicatrizes. Podes lamber os poros dos dias que virão. Podes atar as pontas aos tempos diferentes, colá-los num horizonte homogéneo que resgata as vidraças estilhaçadas de onde se adivinha um esboço das que se hão de esboroar nalgum dia pedregoso. Convocas semelhanças entre tempos diferentes e revolves a poeira de um banco sórdido. O banco onde um réu se há de sentar. O réu acusado pelo tempo sem emenda.
Desse tempo sabes o que o involuntário réu contou. Com a audácia da honestidade. Às vezes era preferível engolir as palavras, remetê-las aos silêncios comprometedores. Fazer de conta que não há tempo dobrado atrás das costas. Era como se tudo contasse a partir daquele momento, uma folha em branco onde se iam amontoando as palavras inventadas na altura. Mas a ingenuidade, ou o desassossego do tempo que não tem emenda, amarelecem a folha amarrotada. As palavras que lá se depõem trazem as impurezas de outrora. Os equívocos, esses, são o corrosivo lastro a pender sobre qualquer porvir.
À noite, quando o silêncio amedronta e o sono se adia na penumbra dos pensamentos obstinados, as ondas vagarosas esbarram umas nas outras. Soltam-se faíscas de espuma que segredam deduções contaminadas. Irrompe uma só certeza – uma entre o imenso mar de incertezas: a maior das inutilidades é o arrependimento que a ausente lucidez quiser fermentar.
O tempo sem emenda não se emenda. A mácula que se abate sobre o réu do tempo sem emenda é uma tremenda injustiça. Um ultraje. O tempo pretérito não se renova. E o réu não é o tempo sem emenda que deixou em forma de rasto. Nem é réu de nada. O que já não tem emenda é um tempo irrepetível.

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