In http://thumbs.dreamstime.com/thumblarge_552/1288637073dsp6XQ.jpg
Podes
andar à volta com as cores, virar as palavras do avesso, abrir e fechar as
costuras das cicatrizes. Podes lamber os poros dos dias que virão. Podes atar
as pontas aos tempos diferentes, colá-los num horizonte homogéneo que resgata
as vidraças estilhaçadas de onde se adivinha um esboço das que se hão de
esboroar nalgum dia pedregoso. Convocas semelhanças entre tempos diferentes e revolves
a poeira de um banco sórdido. O banco onde um réu se há de sentar. O réu
acusado pelo tempo sem emenda.
Desse
tempo sabes o que o involuntário réu contou. Com a audácia da honestidade. Às
vezes era preferível engolir as palavras, remetê-las aos silêncios
comprometedores. Fazer de conta que não há tempo dobrado atrás das costas. Era
como se tudo contasse a partir daquele momento, uma folha em branco onde se iam
amontoando as palavras inventadas na altura. Mas a ingenuidade, ou o
desassossego do tempo que não tem emenda, amarelecem a folha amarrotada. As
palavras que lá se depõem trazem as impurezas de outrora. Os equívocos, esses,
são o corrosivo lastro a pender sobre qualquer porvir.
À
noite, quando o silêncio amedronta e o sono se adia na penumbra dos pensamentos
obstinados, as ondas vagarosas esbarram umas nas outras. Soltam-se faíscas de
espuma que segredam deduções contaminadas. Irrompe uma só certeza – uma entre o
imenso mar de incertezas: a maior das inutilidades é o arrependimento que a
ausente lucidez quiser fermentar.
O
tempo sem emenda não se emenda. A mácula que se abate sobre o réu do tempo sem
emenda é uma tremenda injustiça. Um ultraje. O tempo pretérito não se renova. E
o réu não é o tempo sem emenda que deixou em forma de rasto. Nem é réu de nada.
O que já não tem emenda é um tempo irrepetível.
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