30.7.14

A fragilidade do efémero

David Sylvian, "Orpheus", in https://www.youtube.com/watch?v=4YuvdDPYEy0
As lágrimas enxugam-se. Por imperativo do tempo que se promete. Porque o tempo prometido não combina com as fraquezas vertidas nas lágrimas malsãs.
Se houvesse juras que pudessem ser alinhavadas, era para prometer que o tempo prometido seria honrado por dias seguidos com os olhos felizes. Através de um olhar grandioso, tirando as medidas às coisas belas que os arredores da existência ungem com seu perfume. As unhas cuidadas deitam-se a guitarras que soam mágicas, arquitetando um som cristalino como se fossemos músicos adestrados. Nos passeios pelo campo, somos ornitólogos ou peritos na fauna local. Contamos os pássaros que chilreiam e vertemos em pautas musicais o seu canto. Contamos as flores todas nos campos, deitando num cadastro as espécies diferentes que os olhos souberem captar.
À noite, entre dois copos de vinho e um lauto repasto, sobranceiros ao promontório que domina a cidade, cantamos as loas ao único tempo vivaz, o tempo que conseguimos deter entre os dedos. Querendo, retemos o tempo nas palmas suadas das mãos (então já não entrelaçadas). E fazemos destes instantes a moldura do tempo perene. Pois as fragilidades não quadram com a nossa particular quarentena que açambarca os sentimentos maiores. E por não sermos depostos em qualquer leito onde se acamam as fragilidades, não deitamos o olhar ao efémero que se componha. Deixamo-lo para as matérias vivas, as leis do universo, o pão e o vinho da química e da física, que não há força maior que os consiga dominar na sua transcendência. O resto é nosso. O tempo que quisermos, no tempo como o cinzelarmos. Temperando a preceito os dias que vêm com a paz que em nós se enquistou.
Em sabendo de tudo isto, somos guardiões do tempo que dantes julgávamos efémero. O que queremos não se tinge com o manto efémero. Do alto da nossa grandeza, somos fautores de uma alquimia que transfigura a essência do tempo. Se quisermos, o efémero pereniza-se. Pois somos, por dentro de uma força inextinguível, a antítese de todas as fragilidades por junto.

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