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Um taxista barrigudo que é sabedoria
transversal. Um empreiteiro que ainda usa um Mercedes atávico. Um aspirante a
catedrático que mede tudo pela bitola da história, prolixo em adjetivos. Outro,
informático, que baba lugares-comuns ao abrigo da imensa sapiência que só ele
consegue lobrigar (no que o espelho da casa de banho deixa pressentir),
enquanto larga chistes que só a ele provocam gargalhada. Uma varina ladina, com
esparsa pelagem facial a preceito, debitando pregão com pronúncia intensa. Um
ativista reflexivo que acorda todas as tardes com o vício da cidadania ativa. O
carteiro que lê muitas revistas cor-de-rosa e sonha acordado. O meteorologista
que sindicaliza os colegas entre duas reuniões do partido. O sindicalista que
se farta de trabalhar a pouco fazer. Um aluno calaceiro, cuja mestria é o ardil.
Um jornalista peçonhento, que embirra com o bom feitio dos que o têm (à falta
que o bom feitio nele faz). Um arquiteto com um pé na autarquia e outro no
gabinete de projetos, sem que alguém possa levantar dedo a perguntar pela
ética. O sacerdote que tem uma coleção de revistas de luxúria (provando que os
curas também são homens). O louco que fugiu do manicómio e erra pelas ruas da
cidade e ninguém dá conta da sua demência. O personal
trainer, titular de outra demência
(não diagnosticada). O ladrão profissional, atrevido e metódico, preguiçoso e
sociopata. E o ladrão por causa do vício das drogas, desastrado. A meretriz grosseira,
coxa grossa e flácida. O empregado do balcão que ainda usa mangas de alpaca e não
toma banho assíduo. O funcionário da repartição de finanças que passeia a
arrogância de quem subtrai réditos ao cidadão e disso faz ostentação de poder.
O professor que vocifera enquanto os colegas tentam fazer um exame. O
matarruano das estradas, cavalgando o enorme camião enquanto palita os dentes.
O jeitoso convencido que é um sedutor, mal sabendo que ao virar das costas as
donzelas suspiram de alívio. O erudito das bainhas dos livros. O bêbado ao cabo
da noite, cambaleando palavras ininteligíveis. O jardineiro boçal, almoçando
com as mãos ainda encardidas. E o velho, arrastando a sua senilidade.
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