Slowdive, "Golden Hair" (live at Primavera Sound 2014), in https://www.youtube.com/watch?v=kOQ2DObruek
Era a alquimia do sol. Ou uns olhos
desenfreados, decantando no olhar a beleza singela, aquela beleza singular que
aporta apenas a uns olhos só.
Os cabelos eram dourados. Ao sol, ou sem
ser sob a sua tutela. Dourados, sem dúvida, eram-no sob a resplandecência do
sol. Diriam todos os olhos outros que perdiam a sua dourada magistratura quando
o sol os não ungia. Mas estavam enganados. Eram seus olhares embaciados que não
mediam o ouro que se alojava naqueles cabelos. Os raios de sol depunham-se
neles e neles se demoravam na eternidade. Até no mais escuro da noite persistiam,
dourados. E neles apetecia navegar, mergulhar nas suaves ondas que deles se
desprendiam. Pois os cabelos dourados são alimento. São mais do que isso: nutriente
tão soberano que dos demais alimentos dir-se-ia poder haver ausência. E neles
também se demorava o extasiado olhar singular que os contemplava. Pois por eles
se fundava a embocadura do porvir, do tempo vindouro que era a realização de
cada dia deposto.
Nos cabelos dourados, o mar devolvia-se
na cintilação perene. Não havia vírgulas a separar frases, ou pontos finais que
as tornassem finitas. No emaranhado dos doces cabelos dourados, as palavras
teciam-se, mágicas e doces, sentidas e profusas, singelas e íntegras, arpões
das almas. As mãos enredavam-se nos cabelos dourados e deles extraiam todo o
ouro que se enraizava nos dedos. E os dedos, orgulhosos, processavam os
diademas que selavam um porvir enlaçado. Nada mais do que os cabelos dourados,
bastantes na sua enlevação esplêndida. A cada alvorada os olhos despontavam,
arrebatados com os cabelos sempre dourados, ainda que adormecidos. Podiam as
horas parecer dias, ou os dias estender-se por sensações de meses, que a
ausência dos cabelos dourados era aplacada pela imagem perene deles entre os dedos
que os acariciavam.
Não se embaciem as luzes que ornamentam o
tempo. Não coalhe o sol. Não percam a alçada as palavras que contam no
refrigério das almas. Juntem-se os dedos na combustão sentida. Os olhos uns, e
só eles, seguem os cabelos dourados por eles vão. Garantindo que não deixam de
ser dourados. Prontos para recolher todo o ouro sem que eles percam o seu
dourado magistério. Pois só estes dourados cabelos se renovam.
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