3.7.14

O que importa um legado?

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Atos contínuos, embalsamados na pretensão da perfeição, para serem registo de memória futura. Para sermos titulares da memória que de nós fica emoldurada no tempo vindouro. Como se houvesse arte de tomar conhecimento do que de nós dizem depois de deixarmos de ser viventes.
Muitos passam o tempo a esboçar planos para que os atos sejam prospetivos. Estão ansiosos por deixarem uma impressão digital indelével para consumo dos que ficarem depois do seu decesso. Alguns elucubram, em segredo, a intenção de deixarem seu nome lavrado numa rua da cidade, ou de serem retratados em estátua se conseguirem ser figura grada da aldeia que foi seu berço. Estão convencidos que um legado – o seu legado – é sinal de imortalidade. Não os sacia a dimensão física da existência. Mortificados com a ingratidão de quem foi criador da espécie (e de toda a ordem natural), por não haver maneira de haver vida perene. Agarram-se aos preceitos religiosos que definem a separação entre corpo e espírito. Até os agnósticos, pois de outro modo não curavam de pretender eternizar a sua marca a seguir ao féretro homenageado.
Mas interessa suprimir a espada que ceifa a existência? É combate condenado à derrota. Tempo inútil o da devassa do tempo na ilusão de que podemos travar a ordem natural das coisas. Sobra o encantamento pela perenidade post mortem. É uma compensação pela injustiça dos deuses que não caucionam a eternidade dos mortais. Aos mortais resta a possibilidade de fazerem prolongar o espírito para além da extinção corpórea. Fazem serviços à comunidade; tornam-se visíveis num qualquer domínio ou arte; escrevem livros, que as suas páginas não são arrancadas à tenaz do tempo imemorial; encavalitam-se na poeira do tempo, sedentos de reconhecimento público (nem que depois tão depressa caiam no alfobre do esquecimento). Os mais modestos acreditam na imortalidade daqueles cinco minutos de glória. Fazem o que for preciso para que deles não haja esquecimento. Desconhecem que o tempo sedimenta a sua poeira em sucessivas camadas. E que vamos sendo depostos a cada camada que se deposita em cima das anteriores.
Estamos fadados ao olvido. As consumições para reverter esta irremediável condição são desgaste inútil do tempo. Arrotear o terreno que acondiciona a eterna memória futura é falhar o tempo conhecido, trocado pela incerteza do tempo em que já não seremos dele testemunhas. O legado que deixamos não tem serventia.

1 comentário:

Anónimo disse...

Parece-me mais um instinto do que feitio, esse de teimar fazer história. A ser verdade, abre-se a caixa de Pandora, não?

Nautilus