15.7.14

A balsa dos renegados

In http://www.caiofabio.net/Arquivo/Image/sociopatia.jpg
A lua nunca era cheia, nem sequer nova. Amarelecida, projetava a luz timorata sobre a balsa que errava ao sabor dos ventos que soprassem. Lá dentro, os renegados todos. Sem linhagem, talvez sociopatas, tresandando a asco, isolados por se não reverem nos cânones que faziam lei à conduta dos homens.
Não se importavam. A ilha flutuante que os acolhia era um refúgio dos lugares que eles tinham renegado. A páginas tantas, discutia-se, desde o cais onde os lentes tomavam função, se tinham sido renegados contra a sua vontade ou se o estatuto partira deles. Ninguém lhes perguntou o que achavam sobre o assunto. Quem o fizesse arriscava resposta torta. Ou não aceitavam que, desinteressados, dissessem os renegados que eles é que cavalgaram a sua própria exclusão.
A balsa rodava pelos mares. Tinha propensão para se fazer contra as marés, pois a dissidência era higiénica. A lua a contrapeso, o sol com pergaminhos baços, as nuvens que nunca eram brancas. E as águas do mar por onde a balsa sulcava faziam-se lamacentas mal sentiam o casco enferrujado. Os renegados nem se falavam: cada um era uma ilha dentro de si. Conviviam em paz podre. Estavam condenados a serem voluntariamente reclusos do isolamento a que se entregavam. Em não sendo possível haver uma ilha para cada um, juntaram-se num antro que só o não era para eles. Para os demais, aqueles que circulavam na normalidade e repudiavam a renegada condição dos renegados, contavam-se histórias amaldiçoadas para os petizes tomarem consciência dos caminhos por onde eram aceitados os do bom rebanho.
A balsa dos renegados nunca ia a terra. Os mantimentos aportavam através de pequenos mercadores que não temiam as fuças enfurecidas dos renegados. Tinham um pacto com os renegados. De volta ao cais, os mercadores não diziam palavra. Era o pacto de silêncio que mantinha o estertor dos renegados. Deixava-os longe da curiosidade dos habitantes salutares. E selava a sua sociopatia irremediável. Naquela balsa cada renegado dançava para o seu lado. E nunca era valsa o que na balsa dos renegados se dançava.

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