28.2.17

O que diz o vento?


Band of Horses, “The Funeral (live on Letterman)”, in https://www.youtube.com/watch?v=0KL4bBiDCI0    
De onde vem o vento? Espeta o dedo ao alto e demanda a origem que o atira com tanta destemperança. Não julgues que é tarefa menor; se não se souber se onde vem o vento, não será possível medir as palavras que ele transporta. Sem o lugar saliente do vento, não sabemos das bússolas que têm todo o préstimo.
Perguntas: e como posso ter a certeza, só pela determinação da origem do vento, sobre as palavras que nele esvoaçam? Sei. Dir-se-ia: é uma intuição que trago comigo, bem junto ao peito – e não perguntes sobre o húmus da intuição, ou sobre a contradição insanável a que (possivelmente) me abraço ao deitar identidade a uma intuição, pois se isso esbarra no impecável manto de racionalidade que digo ser meu. Não é isso que está em causa. Queremos saber as cores do vento, talvez em forma de presságio para o que poderá sobrar nos braços que não se escondem da exposição ao vento. O resto não vem ao caso.
Estimo que o vento vem de norte. Não é a nortada veranega. É um vento escuro, que traz às costas nuvens que se encavalitam umas nas outras, como se tivessem pressa a chegar algures (que é destino que não conseguimos objetivar). É um vento arrojado, que bolça rajadas desassisadas, como se as pessoas estivessem a precisar de um módico de loucura para reavivarem as fundações em que enquistaram. O vento que não se despoja, até que seja tempo para o seu estertor que precede a derrota.
O vento grita, sem pejo, que a pele escondida devia estar no desassombro da sua exposição aos ingredientes do vento. Para se embeber nele e se transfigurar à medida das palavras contidas no vento. Mas as pessoas abrigam-se. Escondem a pele, dizem que o dia está desagradável e o vento é o culpado. Desaproveitam o vento. Desaproveitam-se. Adiam-se. São apenas uma pele macilenta, uma pedra estática que não aceitar alisar as arestas gastas. Vão fugir do vento e não chegam a saber as palavras, porventura quiméricas, que o vento transporta nas suas asas.
No seu juízo enviesado, desperdiçam o fértil vento. Impedem-se, as pessoas.

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