21.2.17

Quais são as cores possíveis de um idioma?


Toro Y Moi, “Say That”, in https://www.youtube.com/watch?v=gGmfOsdla2Y    
Os dois homens passavam à frente de uma loja de eletrodomésticos, cheia de anúncios a marcas comercializadas que partilhavam o espaço (amontoado) com cartazes que aliciavam as pessoas a comprarem a prestações (dando-se o caso de haver míngua de dinheiro, por causa da crise que é sempre perene). Notaram no aquário e nos três peixes que deslizavam vagarosamente nas águas já um pouco lodosas. Pareceu-lhes que o aquário estava sem contexto. Uma loja de eletrodomésticos não vende peixes avulso nem aquários para os albergar.
Não havia problema. As originalidades é que emprestam beleza ao espetáculo que vem do mundo. Se não as houvesse, era como se as rotinas se enraizassem vetustamente, a tal ponto que as pessoas nem dariam conta de serem rotinas, nem dariam conta de as rotinas poderem destruir a sua criatividade, podendo até embaciar emoções.
Os dois homens decidiram travar o passo para apreciarem a coregrafia dos peixes. Tinham cores diferentes, os três peixes. E tamanhos diferentes. Passavam uns pelos outros no que parecia ser indiferença. Mesmo quando, nas suas deambulações, quase se roçavam uns nos outros, permanecia a impassibilidade. Nadavam ora em sentidos diferentes, ora paralelos uns aos outros. Sempre com respeito pelo espaço vital dos outros, o espaço que era preciso para sulcar as exíguas águas do aquário sem atropelar os demais. Não disputavam os pedaços de comida que boiavam à superfície da água. Quando um se refugiava atrás de uma pequena pedra, os outros procuravam outros lugares do aquário.
Os dois homens ficaram alguns minutos a apreciar o movimento dos peixes dentro do aquário. Em silêncio. Até que um deles capitulou ao cansaço; aquele palco esgotara-se na sua gramática simbólica. Esgotara-se, em sentido pleno. Primeiro, porque os largos minutos diante do aquário levaram o pensamento a um vazio. Segundo, afinal não valia a pena torcer as imagens vindas de dentro da loja de eletrodomésticos. Só se os dois quisessem é que podiam ser autores de uma reinterpretação, decerto metafórica, do palco que lhes era oferecido pela atenção que puseram ao interior da loja.
Ao irem embora, continuaram em silêncio. Um dos homens pensou perguntar ao outro que imagens tinham trespassado o pensamento no tempo que estiveram a olhar para o aquário. O outro homem pensou o mesmo. Não passaram das intenções e o aquário dentro da loja de eletrodomésticos perdeu-se no firmamento dos impossíveis.

Sem comentários: