8.11.19

Pedra alta (short stories #171)


Brian Ferry, “Song to the Siren” (live in Belfast), in https://www.youtube.com/watch?v=9PfHkQvUb3k
          Não é passo menor. Uma subida íngreme, o ar quase extinto, os pulmões abraseados. Manda a perseverança que não abrandes o passo. Ao cimo, a paisagem é a paga merecida. O corpo luta contra si mesmo. O suor lava-o. A incandescência mental mantém acesa a fogueira que alimenta as forças – e pensas: oxalá fosse sempre assim, como se as forças fossem inesgotáveis mercê do emulsionante da mente. Às vezes, o plano parece vertical. Não capitulas. Ouviste dizer que na cumeada existe uma pedra – que só se podia chamar “pedra alta” – que é a dita paga merecida para os que não se atemorizam com o plano alcantilado da subida. É provável que a empreitada seja estorvada por uma tempestade, a crer nas nuvens que se amontoam em pressentimento ameaçador. Que não seja o agente da desistência; a tempestade pôr-te-á à prova, na triagem que distingue os que não recusam as provações dos que são figurantes. Também é provável que a tempestade exauste as forças. E que no auge da tempestade, quando a mistura explosiva de chuva, vento e trovoada, em forças unidas que soa a conspiração, temas que atingir a pedra alta se afigure como uma impossibilidade. Essa é a maior prova de vida. Por mais que a pedra alta tenha ficado ocultada do campo de visão, e que este só consiga distinguir uma terrível confluência feita de vento arrevesado, chuva torrencial e clarões dos feéricos relâmpagos, sabes que a pedra alta não sai do lugar. Insistes, contra a improbabilidade dos elementos que se jogam contra ti. Insistes, nem que seja no passo vagaroso, errático, sem perder a esteira da rota que importa. Animado pelo atingimento da pedra alta, até que sintas que a tempestade deixou de assolar o lugar em que te encontras. Nessa altura, sabes que só falta um pequeno esforço. E depois, na pedra alta, sentirás um amplexo de fortes sensações a tomar conta de ti. Permitir-te-ás a glória sublime de quem derrotou as contingências. E celebrarás na pedra alta, a preceito, como se tivesses atingido o teu particular Evereste.

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