Davendra Bahnart, “Baby”, in https://www.youtube.com/watch?v=9gROYU2j-40
Sente o vento pela cauda. O vento sem peias a rondar o pescoço, na atalaia que não causa apoquentação. As sombras nem sempre são vultos e estes não se disfarçam quando pressentem a necessidade de acossar alguém. Se, em vez dos medos, os poros se compuserem na irrepreensível malvasia onde se colhem os verbos cheios, o destempo não será a medida militante e todo o céu amparado nas mãos cauciona a prova dessa colheita. O vento pela cauda está a preceito. Empurra o corpo para o devir. E não é abismo.
Diz:
podes-me ajudar: podes absorver o sangue desta ferida. Com a boca.
Os corpos adiantam-se à véspera ansiosamente esperada. A paisagem não foge nos interstícios do tempo, não foge nem que os corpos estejam metidos dentro de um comboio de alta velocidade. Faça-se da meditação o templo que escuda a moderação. A pele está fria, fria como o inverno que tomou o dia de assalto. São invariáveis os sobressaltos das horas contumazes, porque não é possível fazer inventário dos seus fautores. À medida que a pele arrefece e a quietude se contagia à paisagem, a lucidez desembaciada sobe à cumeada dos sentidos.
Mal forem emalados os pertences, antecipando a próxima mudança, sente-se um vórtice no céu da boca, paradoxalmente adoçando a boca. A mão passada pelos poros secos e frios quer dizer que eles só têm saudades das quimeras de que vão ser autores. Ao pretérito, vão buscar apenas os fragmentos emoldurados numa certa historiografia conjunta, lida a quatro olhos num livro publicado nas suas memórias. Diz:
é preciso saber que a vontade não se sitia, não se intimida com os escombros em que a memória sucumbe. A memória tem os seus mecanismos que depuram o que não interessa reter na mântica gasta, sem servidão, da memória. Fale-se da memória seletiva, que não é fragilidade; é um artefacto cuidadosamente elaborado pelos que se constituem servidores da sua própria ventura. Um artesanato sem preço.
Memória seletiva. É como se houvesse uma depilação da memória e as partes puídas fossem desmatadas, até ficar um terreno agora fértil, pronto a ser ocupado pelos ingredientes que as atribulações do futuro trazem como caução. Ou então, granjeiam-se os campos por onde apetece deixar ir os corpos e depois colhem-se as flores que são a safra deste pecúlio.
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