Radiohead, “House of Cards”, in https://www.youtube.com/watch?v=8nTFjVm9sTQ
Usava uma nomenclatura cifrada. Era a maneira que tinha de guardar os segredos só para si. Porque sim. Não confiava nas pessoas. Vivia sobressaltado pela hipótese do logro – e o logro só podia partir dos outros, que ele não tinha a demencial pulsão de se malfazer. Pelo menos, disso estava convencido. Com o tempo, passou a estar menos convencido. Andava com umas leituras que desataram a introspeção e vieram dar caução a dúvidas no limite das interrogações que formulava. A certa altura, ficou sem saber se os outros queriam conspirar contra ele. Talvez fosse um exagero. Por que queriam os outros conspirar contra ele? Ou melhor: por que saberiam os outros da sua anódina existência? Começava a sentir um alívio das perplexidades que foram a razão de tanta desconfiança, que foram a fogueira onde crepitava uma certa tendência para a sociopatia. Estas dúvidas existenciais não fertilizavam a antítese do isolamento que julgava protetor. Não se sentia consumido pela solidão inata. Não sentia falta de ser reconhecido pelos outros – até porque o reconhecimento ia ao encontro da apoplexia dos outros, que por dele tomarem conhecimento podiam querer industriar um logro que seria em proveito deles e contra a sua sanidade. Estava cometido ao seu personal best: começou a falar com mais pessoas e, no seu metódico critério, a anotar a estatística. O caderno dos registos mostrava como, em vários dias consecutivos, atingiu o seu personal best. Agora era extrovertido e extravagante. Frequentava a sociedade. Procurava os holofotes. Mudou. E de tanto mudar, passou-lhe ao lado a interrogação mais importante: uma mudança tão radical não encerra a transfiguração de si, não o adultera ao ponto de não haver semelhança entre o eu atual e o eu de que se desprendeu? Não deu resposta à demanda, porque a mesma não foi anotada no seu (outrora) metódico caderno de encargos. Agora, o eu era diferente do eu anterior. E isso é que importava. Um personal best.
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