Mão Morta, “Oub’lá” (ao vivo), in https://www.youtube.com/watch?v=_G9rML3yFxs
Sabem a cor da transparência? Sabem quando foi a última vez que o pai natal escanhoou a barba? Sabem a que sabe a água da chuva? Sabem compor a equação que resolve o segredo da caixa de Pandora? Sabem como são concebidos os dragões? Sabem desenhar um gambozino?
Vamos a isto: vamos à caça de gambozinos. Levamos, como cicerones, gente muito importante que foi escolhida para nos representar. Chamam-se “políticos”. Vocês, queridas crianças, vão ser guiadas pelo tabuleiro onde se joga a política. Não estranhem que os vossos olhos sejam vendados: temos de confiar naqueles que foram escolhidos para nos representarem. Têm de ir às cegas, como se estivessem a jogar à cabra-cega: o que se espera, é que consigam descobrir gambozinos, só com o tato.
Bem-vindos à política no des-esplendor do que vocês, queridas crianças, serão figurantes (quando deixarem de ser crianças).
A certa altura, vão perceber que serão deixados sozinhos numa mortalha onde apenas conseguem ver escuridão. Não podem protestar: além de terem vendado os olhos, também vos vendaram a boca – e as mãos, para serem perfeitas marionetas que não conseguem importunar os figurões que vos deixaram sozinhos, entregues à vossa sorte. Alguns poderão conseguir desembaraçar-se das cordas lassas que prendem as mãos e, ato contínuo, soltam-se da venda que vos silencia a fala. Esses vão protestar por socorro, que a venda que anula a visão não a conseguem desatar. Possivelmente terão medo. Ninguém vos informou se os gambozinos são criaturas temíveis ou sociáveis, se mordem e podem causar dor, ou se se afeiçoam a quem os encontra.
O jogo dura muito tempo. Com o tempo, habituam-se à condição de invisuais. Continuam, por este tempo todo, a não conseguir tatear algo que se pareça com um gambozino. Mesmo que o conseguissem, não saberiam se era um gambozino: ninguém vos ensinou o que é um gambozino; não podem saber, ainda por cima mergulhados numa cegueira involuntária, se algum dia conseguirão chegar ao contacto com um gambozino.
Com o tempo a passar, começam a esquecer-se da razão do jogo. Começam a esquecer-se que estão a jogar um jogo. Habituam-se às trevas. O cenário para onde foram atirados, sempre escuro, passar a ser o vosso normal, como se se tratasse de uma contínua noite ártica no inverno. Já não sabem sequer que “gambozino” pertence ao vocabulário. Continuam a jogar à caça de gambozinos, só que não sabem que essa é a vossa função.
Com o tempo, pode acontecer, mas apenas aos que consigam resgatar um mínimo de lucidez, que intuam que são vocês, já não petizes, mas gente adulta e devidamente formada e informada por autorrecreação, que são os gambozinos. Sabê-lo-ão quando o calendário anuncia uma eleição. E entre as eleições, por serem vítimas de uma carnificina disfarçada de pomposa retórica, da autoria dos que julgavam ser os gambozinos.
Afinal, vocês é que são os gambozinos, presas fáceis nesta caçada. Uma vez constituídos gambozinos, não conseguem deixar de ser gambozinos. A menos que consigam mudar de barricada e entrar para a elite que parte à caça de gambozinos.
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