27.12.19

A hora do bolo (short stories #185)


Queens of the Stone Age & Mark Ronson, “Goodbye Yellow Brick Road” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=9Lzz96COcb0
O pôr-do-sol. 
Uma ave que plana na incumbência do vento alíseo. 
A carteira sem dono, perdida nos arbustos. 
A platitude dos dias repetidos. 
A admoestação do purista ao dendroclasta. 
O tributo à natureza. 
A participação dos atentados contra a dignidade. 
Um banho de moralidade, tão cansativo. 
A fogueira onde se incensam as lições atiradas aos rostos dos outros. 
A insubmissão premiada. 
O lugar temente onde ninguém gosta de estar, a não ser os que não se consideram ninguém. 
A efeméride deserta, por esquecimento. 
O remendo da memória, já que ela não tem remédio. 
O restaurante prometido. 
A fortuna indivisa, em sua imaterialidade. 
Um esboço de poema, inacabado. 
A garrafa que deu à costa e que não se sabe que conteúdo continha (e quem a bebeu). 
O sortilégio da manhã embaciada.
Uma farinha fina para a levitação dos atos desejados. 
Um gato a beber leite da tijela.
A cornucópia de cores legada pelo arco-íris. 
O gesto familiar embebido na mnemónica do futuro. 
O mar, manso. 
Um tira-teimas sem saber das possibilidades a jogo. 
Um reencontro na ausência da memória.
O logradouro onde se faz esperar a noite. 
A escadaria que aproxima do epílogo.
Um desenho espartano com as coordenadas dos segredos sem proveito. 
Os sonhos amaciados na pele suada. 
A reposta à solicitação de um estranho.
O disco de que não se sabe ser última audição. 
Tudo o que não se sabe e nem faz sentido indagar. 
A singeleza do dia sem retaliações, do dia enquanto o foi. 
O palco sem ser palco e que é todos os dias encenado. 
O remoinho de palavras que convergem no avesso da maré. 
As mentiras sem paradeiro, inúteis.
A morte sem medo. 
O mais alto navio, em que todos somos capitães. 
O apetite da vida. 
O ensino do tempo. 
A hora do bolo.

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