20.12.19

Bistro (short stories #181)


Sharon van Etten, “Jupiter 4” (live in Austin City Limits), in https://www.youtube.com/watch?v=4nwhjcAytqM
          Aqui chegados, a fome tumular pedindo exílio depois de serpenteada a estrada que rasga as montanhas, um apeadeiro numa pequena aldeia serrana. O único estabelecimento aberto convida a amesendar, o rusticismo do lugar como acolhedor convite a uma interrupção na viagem. Não há luxos, entre uma decoração que mistura o espartano com motivos alusivos ao tipicismo alpino que domina a paisagem. Chocalhos de vacas, pedaços de urze ornamentando as jarras centrípetas, aparelhos rudimentares para a fabricação do queijo, algum fumeiro pendido sobre a lareira, a ganhar forma. Pedimos vinho da casa. Tinto. Não pedimos mais nada e os petiscos sucedem-se, sem dolo. A diferença de idioma não estorva a comunicação. Ficámos a saber das tradições do lugar, do número de habitantes, de como o envelhecimento foi preposterado com alguns mais novos que regressaram à terra dos avós, cansados das grandes cidades gentrificadas onde levavam uma existência insípida. Ficámos a saber do recolhimento forçado quando o inverno morde forte e a aldeia fica cercada por nevões demorados. Ficámos a saber alguns segredos da feitura dos queijos – isto interessa-te, particularmente, que eu não sou dado à queijaria. Ficámos a saber segredos, o que não constitui surpresa: os donos do bistro sabiam que estes forasteiros não seriam concorrência, estavam apenas de passagem, e um laivo de charme podia ser capitalizado a seu favor – podia ser que os forasteiros perdessem a cabeça com os produtos locais e arrematassem um pecúlio significativo. O vinho continuava a afluir, agora com mais dois copos que se juntavam aos comensais. Éramos as únicas pessoas a refeiçoar. Demorámo-nos até à véspera do entardecer. Era preciso, para não sermos apanhados em dolosa infração do código da estrada, depois de todo aquele vinho fruitivo. Despedimo-nos dos anfitriões. Já íamos a caminho do próximo hotel quando demos conta que não tomamos conhecimento do nome dos anfitriões. Ficámos sem saber se a impessoalidade foi propositada, ou o simples fruto da distração de todos os comensais. Também não importava. A paisagem bucólica superava o demais.

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