24.12.19

O irmão do meio (short stories #183)


Antony and the Johnsons, “You Are My Sister”, in https://www.youtube.com/watch?v=vskbBZ1h6ls
          O irmão do meio vivia paredes-meias com os dois irmãos extremos. Alturas havia em que invejava a sensatez do irmão mais velho (benefícios da experiência) e a juventude e o hedonismo do irmão mais novo (benefícios da imperturbabilidade). Vivia a meias com as perplexidades precoces do irmão mais novo, quando começou a ser assaltado por dores que seriam próprias da idade do irmão mais velho. Vivia a meias com a promiscuidade do irmão mais velho, quando começou a ser assaltado pelo pressentimento do passado que julgava não ter sido saboreado como devia. Arrematava os ideais que foram profusamente manifestados pelo irmão mais velho, quando este fazia jus à condição. Tinha respeito pela leviandade não intencional do irmão mais novo, quando foi até avançada idade com trejeitos de adolescente. Não era difícil ser o irmão do meio. Os dois irmãos extremos eram os protagonistas. O que deixava para o irmão do meio o cómodo anonimato. Sempre se saiu bem nessa condição. Não se imaginava um ator centrípeto, os olhares constantemente convergindo na sua direção, como acontecia, por razões diferentes, com os irmãos extremos. Até em casa: não era exagero notar o desvelo, ou a exigência implacável, de que eram merecedores os irmãos extremos. A discrição do irmão do meio contrariava os predicamentos de psicólogos amadores sobre a pressão exercida por o irmão do meio ficar emparedado entre os irmãos extremos. Era uma nótula desajustada. E a confirmação do amadorismo dos observadores. Ou a confirmação de que o desenho das generalizações é um ardil de que são vítimas os seus fautores. O irmão do meio sempre teve a companhia da solidão. Em seu solipsismo, não se importava de não ser como os irmãos extremos. O que não era difícil, pois eles eram tão diferentes. Sabia que, na conjura de suas diferenças, o irmão do meio nunca deixaria de ser irmão (e do meio) dos irmãos extremos. Apesar de ter a impressão de não ter vida própria.  

Sem comentários: