11.12.19

Observatório


Phosphorescent, “Song for Zula”, in https://www.youtube.com/watch?v=ZPxQYhGpdvg
Subo pela montanha como se fosse uma descida, como se no seu epílogo estivesse uma fonte prometida com uma quimera. Não emudeço. Sou um repositório abundante de palavras, entoadas de todas as formas, páginas entreabertas para os estados de alma. Subo ao dorso de uma música, como se não fizesse mal locupletar direitos de autor. 
Observo. Observo meticulosamente. As diferentes camadas do mundo, os olhares volúveis, os gestos significativos, os fins que se embaciam no mar de impossibilidades, o desejo contido, as oportunidades sem acesso, a maresia que irradia dos rostos a contento. 
Observo. Observo cuidadosamente. Os temas em sobressalto, cavalgando sobre a distopia dos farsantes. As miragens que se enquistam nos cabais fingimentos. Os pleitos sem manutenção. As conversas que soam a indigência, apenas porque está convencionado que as pessoas têm de socializar. A abjuração do silêncio, a injusta abjuração do silêncio, quando o silêncio é a prolixa medida de comunicação. A falta de coragem, ou a bravura contida pelo esconjurar da loucura gratuita. 
Tomo em minhas rédeas o observatório de que fui fautor. Tiro a desordem como ordem e combino as mortalhas que saem na taluda dos acasos. Mitigo os lados avulsos como o rosto escondido de uma lua por caiar. Observo as crianças, observo como nasceram para a algazarra infantil, a não pueril medida da sua maturidade oprimida. Tiro a métrica de uma boémia sem boémios na noite branca, a noite articamente contínua – o sopesar dos medos amestrados contra a cólera da noite. Amontoo no sepulcro da memória os vestígios imprestáveis. Decido com eles fazer o que se faz nos sepulcros, deixando verter o refrigério do tempo imprescritível. 
Observo. Observo com o magistério do observatório não altivo, o observatório que não precisa de um miradouro para ser observatório. Congemino as peças alcatifadas na nuca do pensamento, tirando com o avesso das mãos o sal fértil do pensamento assim não escondido. 
Observo o que sou como observador. Sei que a meta-observação não me deixa ser se não feitor de um imparcial escrutínio. Pois sei que é em mim que começa o julgamento. E em mim acaba. O observatório é uma auto-peregrinação. A convolação de uma alma inquieta contra os malefícios do mundo, contra conspirações mudas que se disfarçam de vultos sem espessura. 
Deste que é meu observatório, o legado de mim ao que de menos de mim interesse ao resto do mundo.  

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