Happy Mondays, “Wrote for Luck”, in https://www.youtube.com/watch?v=YNn51e11_dQ
“O mexilhão que se lixe”; ou “o mexilhão é que paga”. Dito por bocas diversas: o povo, vendo-se a si mesmo na condição de mexilhão que sucumbe às catilinárias dos poderosos, lamentando que os sacríficos estejam aos seus ombros; o poderoso, protegido pelo estatuto e pela abastança (sendo o primeiro caucionado pelo segundo), rematando, com desdém, que os das castas inferiores devem pagar a fatura porque o preço dividido por uma multidão custa pouco a cada um dos integrantes.
Mas o mexilhão é maior do que o berbigão e, no entanto, este está acima na escala dos valores: o preço por quilograma do berbigão torna-o mais valioso. É um paradoxo. O mexilhão tem mais envergadura, devia ser mais forte na escala de sobrevivência das espécies. Mas é o berbigão, mais miudinho, que tem melhor cotação. Não se disputa a teoria de que a força não é uma medida exata do tamanho das espécies. Contudo, como entender que o mexilhão tenha o triplo, ou o quádruplo, do tamanho do berbigão (se as medidas não me falham) e seja por este dominado?
A teoria presta-se à experimentação. Continuando na ordem dos bivalves, a conquilha está mais cara do que o berbigão. E a conquilha é mais pequena do que o berbigão. Se a experimentação incluísse uma fauna afim, descobrir-se-ia que o meixão (enguias no estado infante) ainda é mais dispendioso. Mesmo que não passe de uma criatura acabada de desabrochar, com as forças a serem edificadas no seu tenro corpo. Não se vê como um microcosmo pode ser dominado por espécies a atravessar a fase infantil. E se a análise prosseguir, a páginas tantas concluir-se-ia que são ovas de estragão que encimam a bolsa de valores.
Só por passividade do mexilhão é possível ser oprimido pelos berbigões, conquilhas e meixões. Se é o mexilhão que paga as favas dos outros, e se o mexilhão é um exército numeroso e se apresenta corpulento, é porque se trata de um exército tomado pela letargia, um exército desarmado. Deixa de ter significado o lamento do mexilhão, ao lamuriar-se que é o mexilhão que paga. Paga porque não se dispõe a contribuir para a mudança de estatuto. É o preço da inércia.
Falta a adaptação semântica, no domínio das expressões idiomáticas, para começarmos a chamar “berbigões” aos ricos, “conquilhas” aos magnatas e “caviar” aos que estão no topo das listas que inventariam os abastados. Pois o mexilhão já tem lugar próprio nesta safra.
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