2.11.20

Balística (short stories #275)

New Order, “Sunrise”, (live at BBC2), in https://www.youtube.com/watch?v=krDVGJacmmY

        Falam os bravos: que se for preciso empenhar a garganta, assim o farão. Pelas causas nobres. Nobres. Num repente, se a retórica não estivesse mergulhada na automaticidade, desprezando as sinapses emudecidas, dariam conta do vocábulo arcaico. Seria como terem revólveres dardejando as munições à velocidade da luz e dos corpos estilhaçados não sobraria testemunho. Os bravos decerto contabilizados entre as vítimas inúteis do acontecimento. Para depois o falatório subir de tom, como o palavreado matraqueado pelos sublevados, protestando contra a oligarquia que passivamente tolera as infâmias contínuas num ataque concertado contra os alicerces da cultura. Faça-se a balística dos crimes de ódio. Dos que militam nas franjas do sistema e dos que, à boca surda, juram vingar a afronta e defender o instituído. Faça-se a balística: para se perceber que a genética das balas que tracejam os corpos não difere, venham elas de onde vierem, sejam elas fabricadas não importa onde. A balística permitirá recolher uma lição: tão obnóxios são os covardes que atacam pela calada, apanhando inocentes na sua mórbida contabilidade, como os que prometem fazer da vingança uma maré mais alta, sobrepondo a sua atrocidade à atrocidade dos que abjuram. A violência não tem adjetivos. É violência. Pretender que há violência boa é um oximoro que disfarça o que se depura sob o verniz. Faça-se, pois, a balística e o juramento do seu contrário. E não digam, em coro com os violentos que se julgam porta-vozes do sistema, que a passividade é uma capitulação perante os violentos que obstruem as credenciais da cultura. Um remoinho de desordem não se mitiga com o silêncio de um lado (dirão, indignados, os que protestam contra a inércia como método). O contrário também é certo: o remoinho da desordem cavalgará, iracundo e exponencial, à medida que a vingança se materializar como vingança dentro da vingança. Até não se saber o que vier depois.

Sem comentários: