6.1.21

Ministério da ternura

Melody’s Echo Chamber, “Shirim”, in https://www.youtube.com/watch?v=CQ0vpewozRA&pbjreload=101

Decreto presidencial, aos seis de janeiro do ano de dois mil e vinte e um. 

Considerando:

         - o défice de afetos, por contaminação da tendência geral de endurecimento das almas e pela contingência da crise sanitária que obriga ao distanciamento dos corpos;

         - os consabidos efeitos terapêuticos da ternura, possibilitando níveis mais elevados de sanidade mental ao todo nacional;

         - o cognome atribuído ao signatário, que em vésperas de ser reeleito (se perdoado lhe for o topete de se antecipar ao sufrágio) tomou a resolução de oficializar uma política de disseminação da ternura à escala nacional (ilhas incluídas) como seu legado para a posteridade e a História da república.

         Determina-se:

1.    A criação do ministério da ternura, depois de auscultado o governo, em harmonia com as disposições constitucionais aplicáveis.

2.    A perenização do ministério da ternura na orgânica do governo.

3.    O ministério da ternura terá um ministro responsável pela pasta, de propositura presidencial, depois de consultado o governo e organismos (a identificar por decreto regulamentar) envolvidos na promoção e na execução de ternura.

4.    O ministro articula a política da ternura com o presidente da república.

5.    As linhas de orientação da política da ternura devem obedecer aos seguintes parâmetros:

a)    Definição exaustiva do conceito de ternura, enumerando os atos considerados no âmbito da ternura e excluindo, taxativamente, os que não quadram com o conceito (distinguindo, nomeadamente, ternura de promiscuidade).

b)    Ações concretas de promoção da ternura nos mais variados ambientes: agregados familiares (como alvos preferenciais da ternura), locais de trabalho, espaços públicos, confrarias, associações recreativas e afins.

c)    Definição e regulamentação dos incentivos para os casos provados de contágio de ternura, podendo envolver (alternativa ou cumulativamente) benefícios fiscais, acréscimos de subsídios públicos, promoção a listas de elegibilidade para cargos públicos, comendas lavradas em registos oficiais, cartas de recomendação, ou indulgências eclesiásticas.

d)   Atribuição de prémios anuais aos cidadãos que se distingam no contágio de ternura, com condecorações solenemente apostas no dia de Portugal, de Camões e das comunidades.

e)    Inventariação dos cidadãos relapsos à ternura, seja por iniciativa dos serviços de inspeção do ministério da ternura, seja na sequência de denúncias de cidadãos exemplares, e sua adequada reeducação através de ações de sensibilização a criar por decreto regulamentar.

f)     Determinação das punições para os atentados contra a ternura, que acrescem às sanções que eventualmente se apliquem quando os atentados correspondam a crimes previstos e punidos no Código Penal.

6.    O ministério da ternura fica incumbido de definir uma política de correção das assimetrias na receção de ternura, quando seja manifesta a incapacidade para o cidadão ser destinatário do mínimo anual de ternura (a quantificar por decreto regulamentar, na sequência de estudo de comité de sábios sobre a mensuração da ternura e do seu recomendável mínimo anual).

7.    O presente decreto regulamentar entra em vigor no primeiro dia útil após publicação no Diário da República, justificando-se a urgência da sua vigência pelos níveis alarmantes de desternura que adulteram a natureza humana, em geral, e a alma lusitana, em particular.

Lisboa, aos seis de janeiro de ano de dois mil e vinte e um.

O signatário (o presidente dos afetos)

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