14.1.21

Uma medida LSD do tempo resolve alguma coisa?

Max Richter, “Dream 3 (in the midst of my life)”, in https://www.youtube.com/watch?v=AwpWZVG5SsQ

Uma manada (parecia de búfalos) atravessa a estepe, correndo furiosamente.  Parece que as reses fogem de algo. Pisoteiam o que está no caminho. À sua passagem, a peugada da destruição; os bichos são de tonelagem apreciável. A poeira fica a adejar. Parece que o tempo foi suspenso na exata medida da poeira que preveniu o ocaso. A penumbra foi travada pela manada em sua fuga estrepitosa. Umas léguas depois, a alvorada desmente o estado lisérgico.

A chuva copiosa interrompe as festividades. Os nefelibatas estão acostumados à correspondência entre as festividades e a rua. Decidem: enquanto a rua estiver colonizada pela chuva conspirativa, as festividades são adiadas. No tempo que medeia as duas instâncias, os nefelibatas emprestam-se ao ócio. À espera do reatar das festividades, não podem dedicar-se a um estado mental que se lhes opõe. O tempo entrou num túnel etéreo à espera do desembaraço da chuva. O calendário continua a ter o seu consuetudinário avanço.

O prazo para o termo das negociações está quase a chegar. Os negociadores não se entendem e a bravata arrasta-se. As delegações não querem comprometer o propósito da reunião. Mas ninguém quer dar o braço a torcer. (A fraqueza diminui a delegação e o país perde cotação na bolsa de influência das nações – e os súbditos não toleram mandantes fraquejados.) No último minuto, o impasse persiste. Manda-se parar o relógio para permitir a continuação das negociações. O relógio congelou: os ponteiros ficaram emoldurados, como numa fotografia. Mas o tempo não deixou de passar. Os mandantes, de tão poderosos, ordenaram ao tempo que se interrompesse. O procurador do tempo naquela solene sala (o relógio congelado) obedeceu às ordens. Fora da sala, ninguém mandou parar os relógios. 

Diz ele, com nostalgia do futuro: “ah! como gostava que o meu relógio parasse”, dando réplica à mulher ao lado, que, admirada, reparou que o seu relógio tinha parado: “deve ter ficado sem pilhas”. Ela põe-no de prevenção: “o relógio parado não resolve nada. O tempo continua a passar em obediência às suas regras”. A ilusão do tempo suspenso consome-se na verificação do tempo que foi esbanjado. Durante o parêntesis do tempo nada se passa, nada se pode fazer e as palavras ditas não ficam seladas em ata. Ficamos reféns dessa desmedida. 

A ilusão do tempo anestesiado é a sua medida LSD. 

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